7.6.05

PÉROLA AOS... MEUS IRMÃOS

Eu ia escrever "pérola aos porcos", mas eu gosto demais do Szegeri e da Stefânia para me referir a eles assim, embora fosse, vocês verão!, completamente cabível o título aos fatos. Vejam bem.

Recebi, na quinta-feira passada, email do meu Otto na íntegra, noticiando sua vinda ao Rio de Janeiro. Como estaríamos, eu e Dani, fora do Rio durante todo o sábado, em Volta Redonda, tratei de convidá-los para o que eu chamei "um jantar de gala" aqui em casa na sexta à noite. Convite feito, convite aceito. Marcamos às 20h30min.

Faríamos um bonito, combinei com a Dani.

Descemos a coleção inteira da "Gula", pesquisamos na internet pratos impactantes, e parti pro Lidador com o cartão de crédito. Menu elaborado, Dani chegou do trabalho às 19h e eu já estava de avental na cozinha, depois de polir a prataria e separar a louça da Companhia das Índias, preparando de um tudo.

Patês importados, pães de todo o gênero, vinhos das melhores safras, a campainha bateu às 20h30min londrinamente. O primeiro baque.

Eu estava bem vestidíssimo e a Dani num longo digno dos salões mais grã-finos. Não conseguimos esconder o susto diante de um Szegeri trôpego, com a camisa com manchas de várias tonalidades (o meu bom Szegeri parecia um dálmata dos piores canis), sandália de dedo, e a Stefânia com os olhos semi-cerrados deixando mais-que-nítido o estado do casal. A casa, perfumadíssima, com velas acesas em todos os cantos, foi assaltada por um bafo semelhante ao que paira sobre o Bola Preta ao meio-dia.

O abraço do Szegeri quebrou, de cara, quatro flutes de cristal austríaco na mesinha à esquerda de quem entra. Dani sorriu, mandou o clássico e falso "isso acontece" e eu já era, naquele instante, um triste arrependido prevendo cenas dantescas no curso da noite que mal começava. Enquanto a Dani, com aquele vestido negro lindíssimo, catava os cacos ajoelhada, Szegeri e Stê gargalhavam, e eu não sabia por quê, largados cada um numa poltrona. Pendurada numa das hélices do ventilador de teto, a camisa bege do Szegeri, "cagada de molho madeira da língua do Bar do Costa, pra ver se seca, ´tamo bebendo lá desde o meio-dia...", confessou-me.

A contra-gosto, servi torradas italianas com patês artesanais de azeitonas pretas e manjericão. Szegeri foi à cozinha e voltou com duas colheres de sopa. Ele e Stê, Dani é testemunha, devastaram os patês como se fossem aquelas papinhas da Nestlè, enquanto um Szegeri eufórico dava as torradas na boquinha da Pimenta, nossa cocker-spaniel.

Nesse instante, a Dani já chorava num dos cantos da sala, e fez sinal pra que eu servisse, logo, a entrada. Devo dizer que o meu bom Otto, vendo a Dani chorar, atracou-se com minha mulher e passou a chorar também dizendo "também estamos muito emocionados, Tomtom...".

E eu vim com os quatro pratos finamente decorados. Carpaccio de carne com lascas de parmigiano reggiano, alcaparras e fatias de pão francês encomendado numa boulangerie de Ipanema. Convidei-os à mesa. O Szegeri tomou do garfo, fincou os dentes no centro do prato e num átimo enrolou todo o carpaccio fazendo com que o garfo tomasse a forma de um cotonete e mandou tudo pra dentro, dizendo ainda de boca cheia, "do caralho, Edu... gostou, amor?", e arrotou depois do "arrã" de uma Stefânia que o imitava. Chorávamos eu e Dani juntos. Quando eu fui abrir a Moët&Chandon, Szegeri disse "´xá comigo!", e despejou metade da garrafa sobre a Stefânia cantarolando a música-tema do Senna. A Stê ria tanto, que quando foi bater aquela palminha típica de alguém que ri compulsivamente quebrou as quatro flutes que a Dani repôs sobre a mesa.

Dani, tadinha, chegou-se pra perto de mim e disse soluçando, "serve logo o prato principal...".

Recolhi os pratos da entrada e voltei, em minutos, com o risotto de funghi porcini italiano já servido. Szegeri já havia aberto o tinto escolhido para a escolta do prato e bebia no gargalo, arrotando a cada gole, num espetáculo sonoro deprimente.

A cara de nojo que o Szegeri fez quando deparou-se com minha obra-prima foi desanimadora. Com a mão, pegou um punhado do risotto, cheirou com força, fez outra cara de asco, e arremessou na parede em frente dizendo "não como cocô". E a Stê guinchava de rir na cadeira, que não era de balanço, obviamente, mas que quicava freneticamente, pra desespero do vizinho que interfonava, àquela altura, pedindo silêncio.

Eu e Dani comemos às lágrimas.

"Não tem sobremesa, porra?", indagou nosso convidado.

"Petit gâteau", disse uma Dani sorumbática.

"Odeio comida japonesa!", urrou o Szegeri, gerando aplausos, risos, tosses, e guinchos da Stefânia.

E veio à mesa a sobremesa, que ambos recusaram, e servimos o café e, num dos lances geniais da noite, o Szegeri tomou nas mãos um dos candelabros.

Pausa pra explicar que uma das taras da Dani é cultivar velas. Há uma excitação estética depois da oitava ou nona vela trocada, quando o candelabro ganha estalactites de cêra, com desenhos geniais e formas estranhíssimas de uma beleza que a encanta. Pois o Szegeri, com uma faquinha, serrou, uma por uma, as estalactites do candelabro, que minutos depois era de uma aridez triste.

Antes de sairem, Szegeri ainda me perguntou onde ficava um trailler que serve um cachorro-quente porreta na Tijuca, "que eu tô morrendo de fome", e riram muito, os dois.

Um jantar, como se vê, inesquecível.

Até.

5 comentários:

Anônimo disse...

Funghi? ECA!!! Pra mim, empata com repolho, bife de fígado, couve-flor e dobradinha. Nem na cadeia eu comeria nenhuma dessas bóias repugnantes. Perdão, Edu. Mas entendo perfeitamente o Szegeri no quesito funghi.

Eduardo Goldenberg disse...

Zé, eis as incompatibilidades organolépticas: kassler com chucrute (nome alternativo do repolho) do Bar Brasil, bife de fígado do Rio-Brasília, a couve-flor da mamãe e a dobradinha do José Szegeri figuram no topo da minha lista!

Szegeri disse...

Bem, normalmente compareço por aqui para dar o testemunho sobre a fidelidade absoluta do nosso bom cronista sobre os fatos narrados. Eximo-me desta vez, contudo, por absoluta falta de registros na minha memória.

Eduardo Goldenberg disse...

Deduz-se, portanto, que se o bom Szegeri atesta minha permanente fidelidade aos fatos e de nada se lembra do jantar que menciono, que o relato é mais-que-verídico. Faltou dizer que o Augusto mandou-me email hoje com a seguinte frase: "Que horror, Edu, isso é pior do que vomitar no colchão".

É mesmo.

Anônimo disse...

Espetáculo, esse é um comportamento típico de um confrade - no auge da forma - quando submetido a todas as frescuras que o Edu inventou.
Boulangerie? parmigiano reggiano? funghi? petit gâteau? Nem com muita boa vontade depois de beber de forma industrial.