5.4.06

AS FLORES DE ABRIL


"As cores de abril
Os ares de anil
O mundo se abriu em flor
E pássaros mil
Nas flores de abril
Voando e fazendo amor

O canto gentil
De quem bem te viu
Num pranto desolador
Não chora, me ouviu
Que as cores de abril
Não querem saber de dor

Olha quanta beleza
Tudo é pura visão
E a natureza transforma a vida em canção

Sou eu, o poeta, quem diz
Vai e canta, meu irmão
Ser feliz é viver morto de paixão"


(Toquinho - Vinicius de Moraes)


As flores de abril. Os ares de anil. E o mundo fechado em botão. Nunca me senti tão só. Não há pássaros, que dirá flores (há, mas não as vejo). Há, sim, flores, e são vermelhas, mas já murcharam e esqueci-me de guardar as pétalas que ela tanto gosta, mandei-as pra longe. Canto, calado, pra dentro e ninguém me vê. Ninguém me ouve. Há, sim, há quem me ouça o pranto desolador, mas não me bastam seus apelos para, digamos, respeitar o caráter de abril que - ironia - não suporta as dores nem quer sabê-las. Abril dói em mim desde 69, arde em mim, range em mim, mas ninguém me entende. Há, sim, há quem me entenda, mas não consigo acreditar que ela me entenda, ponho tudo na conta da piedade. Tenho, também, em todos os abris, intensa piedade de mim. Sem ter a quem pedir, sou cético em qualquer abril, tenho aguda piedade de mim mesmo por ter intensa piedade de mim. Olho, olho à volta, olho em mim, e há uma brutal escassez de beleza e minha vista está inteiramente impedida de ser vista. Há, entretanto, sim, há beleza, mas em abril ela parece-me ainda mais distante, e há uma aridez impressionante de vida e nenhuma canção. E porque estou morto de paixão, e porque em todos os abris é assim que vivo, e por ser esse o vaticínio do poeta, penso, ainda mais crente neste abril presente, que sou feliz.

Até.

Um comentário:

Anônimo disse...

Que lindo texto, Edu...