8.5.06

BETH CARVALHO, 60 ANOS

Abro o Buteco nessa segunda-feira fria para, do alto do banquinho imaginário e diante do balcão, erguer o copo em louvor a essa impressionante Beth Carvalho que completou, na sexta-feira passada, 05 de maio, sessenta anos de vida, grande parte deles dedicado ao samba.

Beth Carvalho em foto de Paulo Barbosa, Canecão, 2005


Impressionante, sim. Refuto, de cara, qualquer insinuação de que eu esteja sendo exagerado ou parcial. Eu sou exagerado e eu sou parcial. Mas ser assim faz apenas com que eu seja exagerado e parcial, nunca um mentiroso. Espero ter sido claro. Vamos em frente.

Beth Carvalho é uma de minhas paixões e explico. Antes, pequena confissão. A Beth é a cantora preferida de meu pai. Cresci vendo (e ouvindo) papai ouvindo (de propósito a repetição) os LP´s da Beth (todos), todos devidamente assinados por ela quando um meu pai orgulhoso a recebeu em sua casa numa de minhas mais incríveis festas de aniversário, um dia conto sobre ela. Foi à porta recebê-la já com os discos todos na mão.

A Beth é brizolista, e devo a ela o fato de ter sido apresentado ao saudoso Leonel Brizola. Aliás, foi por causa dela (qualquer dia desses conto isso também) que eu, ao vivo, durante o tétrico Festival da Canção da TV Globo, em 2000, gritei o slogan "Faz um 12, Brizola!", o que me rendeu um desafeto mas em compensação a gratidão do velho caudilho, que me disse isso pessoalmente mais de uma vez.

A Beth, como nenhuma outra cantora é cantora popular as 24h do dia. E isso porque vive na rua, nos bares, nas biroscas, nos terreiros, nos pagodes (estejam eles na moda ou não), durante o dia, ao longo da noite, pesquisando, fuçando, ouvindo, (re)conhecendo talentos e vivendo intensamente a profissão de fé que abraçou.

Beth Carvalho em foto de Paulo Barbosa, Canecão, 2005


Foi a Beth (tentem dimensionar sua importância e a importância do fato) que revelou Zeca Pagodinho, Almir Guineto, Arlindo Cruz, Sombrinha, outros tantos artistas hoje consagrados, como consagrados estão músicos do primeiro time que foi ela, a inquieta Beth, que também, antes de todos, apontou como os talentos que são, como Carlinhos 7 cordas, Nicolas Krassic, Hamilton de Holanda.

Foi a Beth, mangueirense até a alma, que desfrutou do convívio com mestres como Nelson Cavaquinho, lançando luzes sobre ele quando ninguém - ninguém - dava a menor bola pro gênio que ele foi (Beth gravou "Folhas Secas" em 1972). O mesmo se deu com Cartola, de quem ela, em 1975, gravou "As Rosas Não Falam", obrigatória em qualquer apresentação sua, seja onde for. Como foi a Beth a primeira a incensar a Velha Guarda da Portela, dando a ela a importância mais-que-merecida (foi a cantora que mais gravou sambas da Velha Guarda da azul-e-branco de Madureira). A primeira a gravar sambas da Velha Guarda do Salgueiro, a mais fértil dentre todas as Velhas Guardas em matéria de composições inéditas e de qualidade, e não seria suficiente o dobro, o triplo de espaço para, digamos, relacionar os "grandes feitos" dessa gigantesca brasileira (nascida na Tijuca!).

É da Beth a primeira gravação de "Saudades da Guanabara", samba de Moacyr Luz, Aldir Blanc e Paulo César Pinheiro, e - quem há de dizer? - pus em sua conta o fato do Moacyr ter assumido (não encontro verbo mais adequado) seu compromisso com o samba.

Ela tem esse troço, lindo, comovente, de estar numa casa, num terreiro, onde quer que seja, o samba comendo solto, neguinho bebendo, falando alto... E de repente ela saca: esse é o samba!

Daí ela grava. E nunca erra.

Beth Carvalho em foto de Paulo Barbosa, Canecão, 2005


A Beth é uma indignada, voz permanente em defesa do povo brasileiro, primeiro beneficiário de sua arte, de seu talento, de seu trabalho devotado, de sua generosidade. Sim, porque é generoso, sim, cada gesto seu no sentido de ir em busca do talento e dividi-lo.

Foi só com a matéria de capa d´O GLOBO de hoje, de autoria do Janjão, que eu me lembrei de seu aniversário. E justo eu que, há anos, no dia 05 de maio, nem titubeio: tomo a direção do Joá para dizer a ela, frente a frente, o quanto é bom tê-la por mais um ano e o quanto eu torço para que muitos, muitos anos ainda possam testemunhar a força de seu trabalho e o brilho de sua presença.

Fiquei momentaneamente triste com meu esquecimento.

Razão pela qual - estou ovindo Beth nesse exato instante! - a homenageio hoje, fechando o texto com a letra do samba que compus, com Fernando de Lima, Mariana Blanc e Edmundo Souto para o bloco "Segura Pra Não Cair", que em 2002 homenageou justamente essa mulher incrível, Beth Carvalho.

Aí sim eu admito a pecha de parcial. O bloco foi idéia minha, e lembro do primeiro papo depois do nome do bloco escolhido (pelo Fefê) não sei com quem:

- Tá bem. Mas qual vai ser o enredo esse ano?

- Beth Carvalho, evidentemente!

Só não foi a Beth porque estávamos a uma semana do carnaval e quando falei com ela, por telefone, naquele instante, ela estava fora do Rio sem volta marcada. Homenageamos Noel Rosa. Mas no ano seguinte, ó, Beth Carvalho na área!

Beth Carvalho em foto de Paulo Barbosa, Canecão, 2005


Eis, então, a letra do samba que ela própria fez questão, durante todo o desfile, de ir cantando ao lado sabem de quem?

(choro com essa lembrança)

Fernando Toledo, de pé a seu lado, fantasiado (com máscara e tudo!) de Leonel Brizola!

Beth, querida, saúde, muita saúde. Sou, como se vê, seu fã.

"Vila Isabel
hoje vestiu teu verde-e-rosa.
E quantas vezes te vi
subir o morro a sorrir
fazendo história.
Lenço vermelho, eu vou me embora
essa é a hora do meu povo aplaudir...
Mesmo com o nó da corda no pescoço
eu ouço a voz que me conclama...
mãe gentil.

Madrinha eu quero dizer: valeu!
Madrinha de todos nós: segura na voz
a emoção de hoje ser
a rosa do meu bem-querer!

Ponha o teu sorriso no caminho
que eu quero passar com a minha dor
hoje pra você eu sou carinho
cantando faço meu o teu amor.

E Solitária Estrela é luz
te conduz gloriosa
faz sorrir de novo...
Organizaste uma festa em mim
por isso é que hoje eu canto assim!

SEGURA PRA NÃO CAIR
vou festejar
por onde for eu quero ser seu par...
As rosas não falam
mas eu vou dizer
Beth Carvalho: o samba é você!"


Até.


11 comentários:

Anônimo disse...

Linda homenagem e merecida. A Beth Carvalho é a maior mesmo!

Anônimo disse...

Salve Elisabeth Santos Leal de Carvalho, nossa madrinha rainha do samba! Axé e saúde!

Anônimo disse...

Muito lindas as fotos. Onde você as conseguiu?

Szegeri disse...

Faço coro, assino embaixo letra por letra, bato o copo em pé e, mão no peito, canto em alto som em homenagem a ela e ao meu mano, em ritmo de samba:

Brava gente brasileira
Longe vá temor servil
Ou ficar a Pátria livre
Ou morrer pelo Brasil...


E mais não se precisa dizer, como sempre. A não ser, para bem dos fatos, o que vai omitido pela compreensível modéstia: que essa gigante gravou - sim, senhores! - uma bela canção de autoria do dono deste Buteco, em parceria com Edmundo Souto.

Eduardo Goldenberg disse...

SÉRGIO e ALEX: é mesmo, a Beth, a maior artista popular da música brasileira. E todas as homenagens a ela serão sempre merecidas e poucas diante de sua estatura.

MARGARIDA MARIA: as fotos são, como indicado, de autoria de Paulo Barbosa, o vulgo Cachorro, um dos donos do Estephanio´s.

SZEGERI: pô, mano! Você estragou minha surpresa! Não foi modéstia não! Eu iria - iria, agora não vou mais - colocar amanhã um texto só sobre isso com link para a gravação da canção, inclusive. Estragou tudo! Biltre!

Anônimo disse...

Eduardo Goldenberg, é bom que se diga, não é somente um cronista de boa cepa. Suas influências literárias vão além do Nelson Rodrigues. Leiam esse trecho:


"Foi a Beth, mangueirense até a alma, que desfrutou do convívio com mestres como Nelson Cavaquinho, lançando luzes sobre ele quando ninguém - ninguém - dava a menor bola pro gênio que ele foi...".

Ninguém - NINGUÉM - vende mais barato do que Khalil M. Gebara!!!

B. disse...

E eu não conseguia lembra nem da metade desse samba...
Brigadim, de novo, por ser minha memória. ;)

Anônimo disse...

Edu, devo a Beth e alguns poucos(contando apenas o rol dos artistas, claro) o fato de eu ser um comuna militante e um brasileiro orgulhoso e convicto. Explico: lá pelos idos de 1996 ou 1997, não lembro bem, fui numa apresentação sua, no teatro do Sesc Pompéia. Na mesma época, o ex-presidente que tenho o desprazer de ter como xará privatizava a Vale do Rio Doce. Eis que a Beth, lá pelas tantas, interrompe a apresentação e faz um discurso contra a privatização e o governo da referida mula manca que "gerenciou" nosso país.

Por essas e por outras, a Beth Carvalho tem e sempre terá todo o meu respeito e admiração.

Fernando Borgonovi

Anônimo disse...

Edu, sua homenagem está linda, e eu também sou fã da Beth até o último fio de cabelo.

Parabéns aos dois ;-)

Anônimo disse...

parabéns a ela, mesmo, Eduardo! Ah, vim aqui pq li hoje, dia 1 de junho, no JB uma entrevista com o Ed Motta e lembrei de um de seus textos... Na entrevista de hj, ele mais uma vez mete o pau em tudo o q é brasileiro, um asco. VIVA BETH E O BRASIL! Bj, Eugênia

Anônimo disse...

Por favor estou a alguns anos procurando desesperadamente aquele jungle do Brizola de 2000.

Faz um 12 ai
Faz um 12 ai
Com Brizola o Rio
Vai voltar a Sorrir.

pierrewsantos@gmail.com

Me ajude por favor...