6.12.06

SALGUEIRO É UMA RAIZ

Certa vez, em janeiro de 2005, abri meu coração aqui mesmo, no balcão do Buteco:

"Eu, que desde o berço aprendi a guardar com orgulho a Academia do Samba no coração, Salgueiro, minha paixão, minha raiz, tive - e já contei isso por aqui - o coração invadido, a princípio timidamente e depois de forma arrebatadora, pela azul-e-branco fundada pelo seu China, o velho sonhador, que criou a tal Vila bonita que me encantou, com a licença de Martinho da Vila e do Ruy Quaresma."

Tudo verdade. E vou lhes contar, como introdução, uma história real - como todas as que conto - para que, talvez, tudo faça sentido e não soe como delírio ou exagero. Não me importa exatamente, nesse específico caso, a precisão dos dados ou dos fatos. O que importa é que eu sempre soube que mamãe, quando menina, morando na Rua dos Araújos, na Tijuca, evidentemente, teve uma babá, negra, que desfilava na ala das baianas da Acadêmicos do Salgueiro. Tem, ainda hoje, minha mãe, memórias vivíssimas da tal babá. Eu, quando menino, morando na Rua São Francisco Xavier, na Tijuca, evidentemente, lembro-me, com a mesmíssima nitidez com que minha mãe lembra da negra baiana, de assistir pela TV aos longos desfiles das escolas de samba, sempre ao lado de minha mãe, e lembro-me de vê-la sempre chorando, emocionada, quando a vermelho e branco pisava a passarela. Lembro-me, mais nitidamente ainda - sinto as mesmas dores agora - de suas unhas cravadas na palma da minha mão, soluçando, comovidíssima com aquilo tudo. Talvez visse, na telinha da TV, sua babá. Talvez fosse uma quimera e a negra já estivesse morta, talvez fosse saudade, não sei, nunca perguntei nada. Eu atribuía tudo ao amor pela escola.

Vai daí que eu tornei-me salgueirense. E a Unidos de Vila Isabel, como contei no tal texto do qual extraí a confissão reproduzida acima, tomou de assalto meu coração vermelho e branco e me flagrei, e ainda me flagro, torcendo feito louco pelas duas agremiações a cada desfile.

Mas há, meus fiéis leitores, um diferencial, um troço inexplicável, que me diz sempre: quando eu morrer levarei comigo, dentro do meu coração, o Salgueiro. Ano após ano eu vivo uma espécie de ritual que já virou, pra Dani, quase que piada. Um pouco triste com a transformação das escolas de samba, um tanto decepcionado com a quantidade de neon nas quadras, deixei de ir, com a regularidade com que sempre fui, aos ensaios do Salgueiro. Típico caso de paixão sem cura: não quero vê-la modificada, eu a amo mesmo assim, mesmo à distância, esses papos. Mas uma vez por ano, no mínimo, eu vou. Vou e me comovo. Vou e choro. Vou e me lembro das unhas de minha mãe cravadas nas minhas mãos.

Ano passado eu não fui. Não me lembro a razão, mas não fui.

E há umas semanas, eu disse à minha Sorriso Maracanã num domingo à tarde:

- Vamos hoje à feijoada na quadra do Salgueiro?

Eu devo ter dito isso já de olhos marejados, presumo. Minha menina me disse um "claro que sim" tão bonito... Tomamos o rumo da quadra, eu fui dirigindo meio quietão, mas sacava aquela mão no meu joelho direito, fazendo festinha, como quem antevê o momento do outro.

Foi estacionar, pagar a entrada e pisar na quadra. Eu, ali, tinha sei lá quantos anos de idade, e sabe-se lá quantos e quais milagres são capazes de produzir o abraço da mulher amada, porque chorei copiosamente, sem dizer palavra, e ela entendeu tudo, com as mãos cheias de carinho como me prometera o Poeta.

Quando o Salgueiro pisar a avenida em 2007, evocando as Candaces, mulheres guerreiras, cantando um samba que se alinha à tradição dos mais belos sambas do Salgueiro - saudando os orixás, a África, os negros e suas heranças que encontram na vermelho e branco o mais bonito terreiro - eu vou ter, de novo, calças curtas, camisa listrada, pouquíssimos anos, e chorar de saudade - sabe-se lá - da babá de minha mãe.

Até.

16 comentários:

Anônimo disse...

Poxa, Edu, bonitas as suas palavras! Sou Tijucana e pra mim fica fácil entendê-las.

Anônimo disse...

O comentário do anônimo é meu.

Anônimo disse...

Olga, não sou só eu que digo. O Cesar Tartaglia já disse o mesmo em seu excelente blog, o NO FRONT DO RIO. O Edu é o maior tijucano que existe, o que mais entende a Tijuca e o que melhor sabe dizer isso para nós.

Anônimo disse...

Muito lindo o teu texto, Edu - é emoção sincera a todo instante, meu amigo!

Quanto à tua abstinência tabagista, cara, continue assim. Tenha forças, irmão! Tenha forças!

Abraços!

Anônimo disse...

Puxa vida Edu! Você conseguiu me emocionar agora cedo no trabalho. Lindo texto!

Anônimo disse...

Depois voce vem me sacanear dizendo que eu não posso ter três
escolas de samba... Porra! Você tem duas, caralho! (com o sotaque do Marechal)

Abraços,
Tiago Prata

PS: "Se eu falar no Salgueiro, é porque são muitas palavras que eu quis, pois não basta um idioma inteiro pra dizer o que o Salgueiro diz"

Anônimo disse...

Também chorei. Tocante demais esse texto.

Luiz Antonio Simas disse...

Edu, é texto para ser colocado em um painel na quadra da vermeho e branco tijucana. Saudações imperianas!!

Anônimo disse...

Lá vem Salgue-ei-ro!
Lá vem Salgue-ei-ro!

Lindo, lindo, lindo!

Unknown disse...

"Quando eu deixar o salgueiro/ sinto que o Céu não irá me agradar/ pois não basta o paraíso inteiro/ pra saudade que o Salgueiro dá"

Szegeri disse...

Nininho, meu filho, és tu?

Anônimo disse...

Foi lá que eu nasci
E me batizei
Lá aprendi, me diplomei
Salgueiro...

Oi Fê!

Ane Brasil disse...

Cara, que texto lindo! Pô, até chorei - e eu não sou disso!
Aí, vou te dizer uma coisa: não tenho escola... claro, a Mangueira na infância, a Padre Miguel e a São Clemente na adolescência...
quer saber a real? eu choro no meio da bateria.
Sinto no peito a vibração dos maracanãs, do repinique e das caixetas.. e choro de alegria.
Vixe!
Confessei.
sorte e saúde pra todos - sobretudo aos boÊmios e aos sambistas!

Ane Brasil disse...

CAra, ouvi o samba! que troço lindo!

Anônimo disse...

É o maior rio de lágrimas da net...

Szegeri disse...

Jô, meu amor, és tu?
Chama Almir Guineto! Chama Nei Lopes!