22.10.07

MEU PAI, MEU MOLDE

Como eu sou um olímpico cumpridor da palavra que empenho, ainda que com ligeiro atraso, venho, hoje, cumprir o que prometi na sexta-feira passada - "amanhã ou domingo falarei sobre ele e sua influência sobre mim" -, cheio de renovadíssimo orgulho. E quero lhes explicar porque digo que estou cheio de renovadíssimo orgulho, muito embora vá explicar isso, melhor, no decorrer da semana, quando contar a vocês a emoção que foi assistir ao jogo entre Flamengo e Vasco, na quarta-feira passada, ao lado do Fefê, meu irmão siamês, troço que não acontecia desde 1978, quando papai nos levou, juntos, na esperança de me ver triste com a opção de ser rubro-negro. Como se sabe, o Flamengo venceu por um a zero, a data transformou-se numa das mais traumáticas lembranças de minha infância, e nunca mais fomos, eu e Fefê, ao Maracanã juntos para vermos nossos times jogando um contra o outro. Quando, na quarta-feira passada, nos encontramos, antes do jogo, para beber umas geladas e para brindarmos ao monumental reencontro naquelas condições (ele é Vasco, como papai), falamos, durante um bom tempo, justamente sobre papai. Éramos, ali, naquele buteco da rua General Canabarro, dois homens em estado bruto de felicidade - e devemos muito daquilo (e disso, que permanece, evidentemente) ao fato de sermos filhos de quem somos. Dito isso, em frente.

Isaac Goldenberg, meu pai, em Cabo Frio, 22 de setembro de 2007

Meu pai é, seguramente, um de meus mais ferrenhos críticos com relação ao modo como toco a vida. Não vou aqui, por razões que dispensam qualquer justificativa, expôr todas as suas críticas - que são muitas! -, mas quero me ater à mais constante: a de que sou radical, um defeito inaceitável segundo suas falas. Mas sou radical, eis a confissão que faço hoje, publicamente mas com endereço certo, graças a ele. Vou explicar.

Vou explicar mas, antes, gostaria de recomendar a leitura de ARREMESSADO, DE NOVO, AO PASSADO, de 18 de novembro de 2005, de O PAI ME DISSE, de 15 de fevereiro de 2006, de TIJUCA, de 23 de março de 2006 e de A ESPIRAL - PARTE I, de 25 de abril de 2006. E vale dizer que mais importante que o conteúdo dos textos acima indicados (no contexto que pretendo imprimir) são as fotos, slides digitalizados, onde apareço, bebê de colo, sempre ao lado dele.

Tinha eu tenra idade quando comecei a coleção de imagens e de gestos de meu pai: o primeiro cigarro do dia logo depois do cafezinho e sempre acompanhado de uma garrafa d´água com gás, isso diariamente, imediatamente após a corrida antes mesmo do sol nascer; a mão direita afagando o volante do automóvel e a esquerda, apoiada na janela, cofiando o bigode enquanto dirigia, fosse qual o fosse o trajeto; o cachorro-quente da Geneal, na rua Barão de Itapagipe, sempre depois dos jogos no Maracanã; os passeios de quase todo final de semana à Praça Afonso Pena, à Quinta da Boa Vista; a ida ao barbeiro, também na Praça Afonso Pena, para cortar o cabelo sempre com o Jarbas e sempre sentado no carrinho do super-herói preferido, e eu poderia ficar, aqui, desfiando esse novelo de lembranças que não sai de mim e que explica, ao menos pra mim - que é o que importa, no final - meu comportamento obsessivo que vem a reboque - segundo a visão de papai - de meu radicalismo.

Homem de poucos sorrisos, papai tem nos olhos uma ternura sem tamanho, misturada à uma tristeza que vem da beleza de se saber íntegro como poucos. Tem sorrido mais, ultimamente, e não sei bem o por quê disso - e não há porque saber. Também tem bebido mais, e reclamado olimpicamente de minhas performances etílicas, como se não fosse ele o responsável direto pela minha relação de paixão com a birita, e isso desde aquele arremesso certeiro, em meu colo, da primeira lata de Brahma, faltando poucos minutos para o início do jogo de estréia do Brasil contra a Suécia na Copa do Mundo de 1978, seguido de um sugestivo:

- Bebe, porra!

Sou, eis então o reforço da confissão e o começo da conclusão de hoje, um homem construído, tijolo por tijolo, por meu próprio pai. Devo minha fascinação pelas mulheres, pelas mulatas e pelo carnaval, a um pai que levou, ano após ano, o primeiro filho, sôfrego, para ver carros alegóricos e passistas do Bafo da Onça na avenida Presidente Vargas. Devo minha devoção à bebida a um pai que bebeu a vida inteira - menos que eu, é verdade - ao lado do filho que riscava a folhinha esperando o dia do primeiro gole chegar. Devo meus princípios a um homem que repetia frases como "seja o que for quando crescer, seja o melhor", "homem não sente frio", "homem não chora", "não falem palavrão na frente da sua mãe, cacete" (nunca ouvi um caralho dito pela voz de meu pai), e outras pérolas do "folclore isaquiano", expressão criada pela minha Sorriso Maracanã depois de uns poucos anos de convívio.

Talvez, eis aí uma verdade, o resultado final tenha desagradado o arquiteto, e eu não seja - já disse isso uma vez e repito - nem metade daquilo que ele sonhou. Mas eu sou assim. Quem quiser de gostar de mim, eu sou assim.

Até.

3 comentários:

4rthur disse...

bonito de ver (e ler) essa tua relação de devoção, respeito e gratidão com o pai. Agora, diz aí: Fefê não ficou puto de ir ao Maraca contigo, depois de um hiato de quase trinta anos, pra ver o Mengão ganhar do Vasco de novo?

abraço.

Eduardo Goldenberg disse...

4rthur: que ele ficou ligeiramente amuado com a derrota do Vasco, não tenho dúvida alguma. Mas foi evidente que a noite foi tão boa pra ele quanto pra mim, guardadas as devidas proporções, eis que sou mais, digamos, derramado quando emoção é o assunto - disse, para uns três ou quatro depois, que vivi uma das mais bonitas noites de que tenho recordação, e só de escrever isso marejo os olhos de novo.

Saímos juntos do jogo e fomos a pé para o Estephanio´s, onde ele me pagou meia dúzia de chopes para que brindássemos à emoção da noite, muito maior (eis o que eu queria dizer desde o início, estou prolixo hoje) que a decepção com o Vasco.

Beijo.

Szegeri disse...

Vejo como seguiste à risca as recomendações do velho Isaac pela frase "homem não chora"...