Depois de lhes ter contado,
aqui, sobre o meu presente, e o da
Dani, para o
Gabriel (veja o malandro cantando,
aqui), no sábado passado, venho, hoje, cumprir a palavra empenhada (alô, meu xará,
Eduardo Carvalho!), e contar a monumental história sobre o Rémy Martin que vai desde o instante em que recebo escandaloso telefonema do
Flavinho, na quarta-feira da semana passada que antecedeu o furdunço do dia primeiro de março, até o encerramento das difíceis negociações que eu entabulei com o aniversariante no interior da livraria
Folha Seca, a do meu coração.
Quarta-feira, hora do almoço, estrila meu celular e pisca na tela o nome do
Flavinho:
- Fala, Xerife! Tudo b...
Ele me corta, com a voz nitidamente escapando dos dentes cerrados (de ódio, notei depois):
- Edu, conversa com a Roberta, Edu, pelo amor de Deus, conversa com a Roberta...
- O que houve, malan...
- Bicho! Ela quer comprar uma garrafa de conhaque francês pra dar pro Gabriel no sábado, só porque ela me pediu uma sugestão de presente e eu disse, apenas, que ele adorava Domeq... Parece que está em dúvida entre o Henessy e o Rémy Martin...
Eu, provocando:
- Pô, mas qual o problem...
- Qual? Tá de sacanagem, Edu?! Eu, quando morava no Cachambi, nunca ganhei nem garrafa de Crush de presente, bicho! O Gabriel bebe Domeq pra cacete, espreme limão dentro, tu acha que ele vai dar valor a uma garrafa de Rémy Martin, Edu? Capaz de espremer um, dois, três limões dentro do conhaque, como se fosse conhaque de alcatrão...
- Mas é aniversário dele, Flav...
- Foda-se! Eu nem vou no sábado pra não me aborrecer!
Ouvi um som estranho.
- Que barulho é esse, Flávio?
- Estou passando uma escovinha no cano da minha Glock. Abraço, Edu. Tchau!
Desliguei e liguei, imediatamente, pra
Betinha. Fui direto ao ponto:
- Oi, querida. Flavinho acabou de me ligar...
Ela bufou e disse:
- Edu... Henessy ou Rémy Martin?
- Onde você está comprando?
- Lidador.
- Qual está mais caro?
- Rémy, disparado! - disse ela, com uma intimidade com a garrafa que me trucidou.
- Também...
- O quê?
- É o melhor, disparado...
- Obrigada, Edu! Obrigada pela dica! Tenho que desligar que estou atolada... Beijo, te vejo no sábado!
Vou apertar o
foward para evitar o enfado de vocês.
Quando a
Betinha chamou o
Gabriel e estendeu a ele o embrulho - notem a elegância da garrafa
aqui -, o gordo, apalpando a embalagem embrulhada com o papel azul-escuro e a etiqueta da
Lidador, teve globos oculares de desenho animado. Sem jeito, perguntou pra
Betinha depois de tentar, sem êxito, tirar o durex do embrulho:
- Posso rasgar?
Ela sorriu e ele, num golpe, desnudou a imponente garrafa de Rémy Martin V.S.O.P.. E sorriu o mais amarelo dos sorrisos diante do - ficou evidente - desconhecido.
Passam-se uns minutos, volta a tocar meu telefone.
- Fala, Flavinho!
- Ela já entregou?
- Arrã.
- E ele?
- O que é que tem?
- Gostou? Falou o quê?
- Não sei... Parece que nem sabe o que ganhou. - provoquei, ainda que sendo preciso do início ao fim.
- Não disse??? Não disse???
- O que houve, bicho? Que barulho é esse?
- Nada. Dei um tirinho pra relaxar.
- Barulho de vidro, mano, o que houve?
- Atirei numa garrafinha de uísque da Roberta. Tchau, Edu.
Da rua, vejo a cabeça do
Gabriel sobre os livros da vitrine da
Folha Seca, o indicador num movimento de vem-cá e eu parto pro interior da livraria.
- Edu... Edu... Que porra é essa, cara?
- Conhaque, ora.
- Cara... nunca vi isso! É bom, essa porra?
Sem perder a oportunidade, destilei minha erudição destilada sobre destilados:
- É um Rémy Martin Cognac V.S.O.P., malandro. Conhaque francês, troço fino, de cor amarelo-ouro, cor de âmbar.
A cara, a boca e o franzido da testa do menino davam até dó. Mas eu prossegui:
- Apresenta referências aromáticas de baunilha, alcaçuz, damasco e avelã. Tem boca suave e agradável harmonia...
- Boca? - ele me interrompeu.
- ... produz uma sensação de aquecimento, além de ser concentrado e saboroso. Rémy Martin V.S.O.P é o mais velho V.S.O.P feito no mundo. Pode ser saboreado puro, com gelo ou misturado em cocktails. Tem graduação alcoólica de 40%.
- O que é V.S.O.P., Edu?
- Very Superior Old Pale - vertendo meu inglês.
- E o que é isso, cacete?
- Em termos grosseiros, incompatíveis com a nobreza da bebida, quer dizer que é uma bebida pálida, superior, envelhecida.
O desânimo do cara foi impressionante.
Ele ficou repetindo, enquanto guardava a garrafa na cozinha da livraria:
- Amarelo-ouro. Âmbar. Alcaçuz. Pálida. Boca suave...
Até que me disse, olho no olho:
- É bebida de viado, essa porra?
- Não.
- Quanto custa? - num agudo ataque de Tijuca.
Era outra oportunidade que eu não podia perder. Multipliquei, fazendo cena:
- Ah, bicho, deixa isso pra lá, a Betinha não me perdoaria...
Ele segurou meu antebraço como se fosse um cavaquinho, e disse, baforando o Domeq de pouco antes na minha cara:
- Fala! Fala! Fala! - tinha olhos de fogo.
- A Lidador tá em promoção... - eu menti.
- Quanto, Edu? Pelo amor de Deus... - meu antebraço tinha marcas de um acorde tenso.
- Hum... uns quinhentos.
Gabriel Cavalcante atravessou o salão da livraria e o vi abraçado às
Betinha, segundos depois, visivelmente agradecendo o presente. Somente depois de saber o preço, o garoto dimensionou a honraria.
Eu vi - e digo isso com a precisão que me acompanha - o
Gabriel comentando sobre o presente com a
Mariana, com o
Daniel, com o
Eduardo, meu xará, com o
Anderson, num desfile de conhecimento:
- Ganhei da Betinha um conhaque francês finíssimo, amarelo, cor de... cor de... amarelo, sabe?
- Tem cheiro de baunilha, alcaçuz, damasco e avelã. É praticamente um sorvete da Itália, porra!
- Tem até boca, essa porra!
- Esquenta pra caralho, é um tiquinho mais forte que o Domeq...
Por aí.
No final, valendo-me do estado do gordo - que prudentemente não abriu o tesouro - cheguei e disse:
- Você gosta de Domeq, né?
- Muito... Amo... - tinha nas mãos um copo americano, com Domeq até a boca.
- Você não vai gostar do Rémy Martin...
- Não?
- Você gosta de alcaçuz?
Ele cuspiu o gole que tentou dar.
- Não.
- Quatro garrafas de Domeq pela sua de Rémy Martin.
O gordo voltou a ter olhos de desenho animado. E disse:
- Cinco a gente conversa.
Ainda tentei comprar as cinco na
Toca do Baiacu, mas o
Leudo não me deu esperanças:
- Ih, Edu. Hoje de manhã eu tinha seis garrafas fechadinhas, mais a semi-aberta que tava no balcão. Mas o baiacu - assim se referiu, desrespeitosamente ao
Gabriel - bebeu essa e está terminando a terceira...
Morreu, ali, minha pretensão - confesso - espúria.
Até.