11.4.08

AS PRAIAS DESERTAS

Se você leu o título AS PRAIAS DESERTAS e ouviu a inesquecível voz da Elizeth cantando a melodia jobiniana, ponto pra você. Se você acaba de ler este intróito e se perguntou, como uma azêmola, quem é a Elizeth ou o que é uma melodia jobiniana, vá ler o blog da Cora Rónai, faça-me o favor.

Eu citei o nome da Cora Rónai e faço questão de, mesmo desviando do cerne da questão de hoje, dizer: pela primeira vez, desde que o mundo é mundo, eu concordei com algo da lavra da referida senhora. Em sua (sempre lamentável) crônica semanal, publicada n´O GLOBO desta semana que vai se encerrando, ela desceu o maço de calceiteiro no lombo de Jaguar e Ziraldo, vergonhosamente beneficiados com um punhado de milhão de reais e com uma pensão vitalícia injustificável concedida pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. Dia desses falo sobre essa nojeira. Vamos às praias desertas.

A Manguaça, a doce figura que sorri na fotografia abaixo, é a responsável pelo arremesso que tive em direção à década de 60, 70, ontem à noitinha. E explico.

Manguaça no Alto da Boa Vista, 09 de março de 2008

Minha garota bateu o telefone pra mim, já no final da tarde, e depois do meu derretidíssimo alô (o BINA antecipa os humores do alô de cada um), disse:

- A Manguaça nos convidou para um programa diferente no sábado...

O cérebro, já rateando depois de um dia de intenso trabalho, reagiu mal à junção dessas três palavras na mesma frase - MANGUAÇA, PROGRAMA, DIFERENTE - e eu grunhi um troço qualquer. Ela continuou:

- Ela quer ir conosco, com um isopor com cerveja e gelo, para uma praia deserta no sábado, fazer uma espécie de piquenique...

Diante do meu mais implacável silêncio, ela foi em frente (mas sua já voz já soava trêmula):

- ... ela pensou em Grumari, Prainha...

Eu estava de pé, em meu gabinete, e já ouvia a Elizeth me dizendo que as praias desertas continuavam nos esperando, comecei a cantar junto e fui interrompido por minha doce menina:

- Chocolate?

Eis uma confissão que eu nem pretendia fazer, mas que faço graças à obrigação de ser preciso do início ao fim: ela me chama, vez por outra, por esse nome.

- Hã.

- Topa?

- Não.

- Por que?

A resposta que dei fez a Sorriso Maracanã rir, rir, rir, até que desligou sem um mísero e franciscano tchau.

- Porque simplesmente não há mais praias desertas.

Eu disse isso, afundei na poltrona de meu gabinete, apaguei o abajur e constatei que de fato estamos vivendo o final dos tempos.

Dessa constatação, passei à fúria. Bati o telefone pra Manguaça e passei-lhe o que minha bisavó chamaria de um sabão.

Ela atendeu excitadíssima (essa certeza é maior ainda agora, enquanto escrevo), certa de que, quando viu meu nome na tela do aparelho celular, eu estava ligando para topar, concordar, exultar, planejar o programa inviável.

- Oi, Eduuuuu! - esticou irritantemente a última vogal.

Fui seco como um dry martini:

- Pirou? - notem que o uso do verbo "pirar" denuncia minha idade, prestes a aumentar.

Se eu fui seco como um dry martini, ela foi murcha como balão com a bucha apagada em pleno vôo:

- Ah... não gostou da minha idéia?

Aí dei coices como o mais furioso dos marchadores, agredindo não a ela (não sei se ela teve capacidade de perceber esse detalhe que faz toda a diferença), mas a essa realidade duríssima que enfrentamos hoje.

Praia deserta é um troço que não existe mais na cidade. E que dirá num sábado, como pretende a nefelibática Manguaça.

Vou às fotografias amareladas de minha infância, e lá estamos nós, eu, papai e mamãe, na praia do Pepino (acho que hoje a chamam de São Conrado), na praia da Barra da Tijuca, e há apenas areia, uma ou outra criança com seus pais, um baldinho, uma piscina plástica e quase nenhum prédio - a antítese dos tempos atuais.

E vem a Manguaça, justo no mês de abril, quando sofro cruelmente (leiam AS FLORES DE ABRIL, de 05 de abril de 2006, aqui e ABRIL, O MÊS CRUEL, de 08 de abril de 2006, aqui), me falar em praia deserta.

Xô, depressão, xô!

Até.

2 comentários:

Unknown disse...

Mais dois dedos de prosa...

Então quer dizer que depois da matéria que saiu no jornal a roda virou programa de índio?

Bem que desconfiei quando um amigo meu veio me perguntar se eu conhecia essa roda (tendo em vista que sou o consultor em assuntos "sambocratas") ... desconfiei pq o sujeito não é lá um catedrático em matéria de cuíca e nem compartilha da minha definição de "roda de samba".


Explica aí!

Grande abraço!

PH

Eduardo Goldenberg disse...

Não sei, Pedro, não sei nada sobre a roda da Ouvidor depois da matéria do jornal. Não voltei mais lá.

Sugiro que você pergunte a um "sambocrata", seja lá o quê for isso.

Pelo visto não compartilhamos, também, as mesmas definições de uma série de coisas.

Abraço.