26.9.08

A TIJUCA EM ESTADO BRUTO - VIII

Quando escrevi A TIJUCA EM ESTADO BRUTO - II (leiam aqui), fiz o convite público e convoquei, uma vez mais (já o havia feito antes), minha queridíssima cunhada, a Lina, para conhecer o FIORINO, restaurante italiano na Heitor Beltrão, na Tijuca - meu preferido dentre todos os restaurantes italianos. Como eu costumo dizer, não me venham com GERO, com CIPRIANI, com LOCANDA DELLA MIMOSA, com QUADRIFOGLIO, não dá nem pra saída. Como a Lina nunca conseguiu conter as gargalhadas de hiena ao me ouvir exaltar as qualidades do humílimo tijucano às margens do rio Trapicheiros, decidi convidá-la a fim de que ela mesmo pudesse tirar suas conclusões. Depois de muitas tentativas frustradas, fomos ontem, quinta-feira, eu e Fefê, acompanhados de nossas mais-amadas, jantar no magnífico FIORINO. E o relato do jantar entra para a série TIJUCA EM ESTADO BRUTO por razões óbvias que ficarão claras ao longo do texto. Vamos ao início.

Marcamos o encontro para às nove da noite. Oito e meia eu convoquei minha menina:

- Vamos indo?! Não é de bom tom chegarmos depois deles, né? Afinal, convidamos e vamos pagar tudo!

- Vamos... Mas você vai assim, de terno? Não vai trocar de roupa?

- Não! Não! Vou de terno! A noite é de gala e a Lina, você sabe, né?, elegante, formalíssima, melhor assim!

- É mesmo, é mesmo! Melhor assim!

Partimos. Nosso automóvel, garboso, deslizou pela Haddock Lobo, dobrou à esquerda na São Vicente, novamente à esquerda na Doutor Satamini, à direita na Campos Sales, à esquerda na Mariz e Barros, à esquerda na São Francisco Xavier e quando estávamos quase chegando, faltando dez pras nove, estrilou o telefone. O nome de meu irmão e sua fotografia piscavam na telinha do celular. Dani atendeu no viva-voz:

- Oi, quelido!

- Oi, quelida!

(pequena pausa: eles falam entre si, sabe-se lá por qual razão, como o Cebolinha, do Maurício de Souza, trocando os "érres" pelos "éles")

Continuou, o Fefê - tinha voz de enfado, meu irmão:

- A Lina quer saber se está de pé o jantar.

Minha menina me olhou, estranhando:

- Está, Fefê! Por quê? Vocês não vão?

- Já chegamos. Ela só queria confirmar se vai ser aqui mesmo.

Ouvíamos a Lina falando algo, ao fundo, que nos escapava.

- Estamos chegando! - e desligou.

Eu, fino, disse:

- Já era. A Lina detestou.

Minha menina, categórica e implacável:

- Não disse?

Paramos diante do FIORINO. Entreguei as chaves a um dos guardadores - o FIORINO tem vários guardadores que não cobram rigorosamente nada, ao contrário de todos os restaurantes da zona sul da cidade que obrigam o cidadão a pagar uma fortuna pelos insuportáveis serviços de valet park! -, ajeitei o paletó - "Tá direito, Dani?" -, dei o braço para minha garota e entrei triunfante.

Não encontrei Fefê e Lina, numa primeira passada de olhos. O maître:

- O senhor procura pelo Sr. e Sra. Goldenberg?

- Arrã.

- Estão ali! - apontou - Naquela mesa, senhor, atrás daquela planta!

Fomos à mesa. Cumprimentamo-nos, houve uma festa de "obas", "olás" e tapinhas nas costas, e eu disse:

- Por que essa mesa, Fê?

Ele, de soslaio para a Lina:

- Ela prefere não ser vista.

Dani, ao meu ouvido:

- Relaxa, amor. Ela já detestou, vamos aproveitar a noite.

Vamos à brevíssima descrição.

Fefê e Lina, no que diz respeito à roupa, nos humilhavam de maneira acintosa. Meu terno - e eu crente que estava abafando - era ofuscado pela elegância opulenta de meu irmão (um ex-adepto do jeans e da camiseta de malha) e minha menina parecia uma bonequinha de trapo perto da sobriedade do vestido preto da Lina, que causou "ohs" e "ahs" ditos à larga pela Dani, quando a viu:

- Lindo, o vestido! É da Renner? C&A? Cantão?

Lina tossiu e disse:

- Dior.

Vem o garçom à mesa:

- Vão aceitar o serviço?

- Claro! - eu disse, sóbrio.

- Alguma bebida, um drink?

Meus olhos brilharam e eu disse:

- Vamos abrir com um Red Label, Fê?

Ele, já contaminado:

- Red? Não tem um 18 anos?

Lina o cutucou, e ele:

- Vai o Red mesmo, então. - e não disfarçou quando muxoxou.

- E duas águas com gás, por favor! - disse a Dani.

- Perrier? - perguntou a Lina.

Agora foi o Fefê quem a cutucou.

- São Lourenço, senhora.

- Vai, vai... - e sorriu, a Lina.

Quando chegaram à mesa as cestas de pães, a manteiga, os patês, a coisa começou a mudar de figura. Como uma víbora ensandecida, a Tijuca começou a percorrer as entranhas de meu irmão e comecei a reconhecê-lo. Propondo um brinde com o copo de uísque numa das mãos, Fefê disse, de boca cheia:

- Adoro esse pão-palito! Adoro esse pão-palito!

Foi quando a Lina, que até então não havia tocado em nada, disse:

- Deixe-me provar...

Ah, meus poucos mas fiéis leitores, a Lina, depois da primeira mordida, transfigurou-se. Provou de todos os pães, lambeu sem cerimônia os beiços, seus olhos brilhavam, ora os fechava e suspirava fundo, e eu tomei coragem:

- Gostou?

- Claro! Lógico!

Fui arrojado:

- Comparável ao couvert do Cipriani?

- Pobre Francesco Carli! - disse a internacional Lina.

Como se demorasse, o garçom, perguntou-me o Fefê, à moda de papai:

- Cadê o garçom? Chama o gerente! Chama o gerente!

Veio à mesa, o garçom. Ofereceu-nos a carta de vinhos e a Dani, que nunca erra, gentilíssima com nossa convidada, escolheu um portentoso vinho argentino. Veio à mesa o vinho e o garçom serviu-nos mais cestinhas de pães com manteiga e patês:

- Trata-se de um complemento, senhores...

Eu, espetado na cadeira:

- Complemento?

Fefê, isaquiano até a medula:

- Chama o gerente, chefe! O que significa complemento?

- Uma cortesia, senhores...

- Ahhhhhhhhhh, bom! - foi o que dissemos eu e o Fefê, em uníssono.

Estávamos na varanda do FIORINO. Chamei a atenção dos três para o que acontecia do lado de dentro, no salão principal, que estava lotadíssimo. Disse, ainda:

- Se eu escrevo isso, dizem que é mentira.

Mal conseguíamos ver o que se passava lá dentro, tal era a quantidade de flashes sendo espocados por casais, famílias, garçons fotografando as pessoas, pessoas fotografando os pratos, um troço. A Tijuca estava ali, baixada, cravada, fincada naqueles tacos daquele salão suntuoso.

Escolhemos os pratos, derrubamos a primeira garrafa de vinho. A Dani, que havia cheirado a rolha da primeira e aprovado diante de um atônito Fefê ("Deixa eu cheirar também, deixa!"), pediu a segunda garrafa (caríssima!). E quando os pratos chegaram, meus poucos mas fiéis leitores, o que foi a reação da Lina????? Êxtase. Encantamento. E incredulidade.

Cada um de nós pediu um prato diferente. O meu, uma massa recheada com coração de alcachofra e presunto di Parma. Minha menina foi também de massa, também recheada, mas com figos e queijo. Fefê pediu massa também, e ela vinha aberta, recheadíssima, parecia um roseiral, na insuspeitada opinião do Romário, o garçom que nos atendia. A Lina, mais elegante que todos nós, pediu um paglia e feno com abobrinha. Comeu de olhos fechados, notei uma lágrima escorrendo à certa altura, perguntei:

- Tudo bem, Lina?

- Tudo... Fui remetida à Emilia-Romagna, na Itália, onde comi um prato como esse, não tão bom, é verdade, mas bem parecido...

Fechamos a noite com a melhor sobremesa do planeta Terra - vá lá e peça! -, café, e uma certeza que jamais me abandonou... Pois se até a Lina, elegante, requintada, viajada, sabida, concordou que o FIORINO é o melhor restaurante italiano que existe, não resta espectro de dúvida.

É, mesmo.

Fazia um frio polar na Tijuca. Partimos não sem antes nos despedirmos na calçada da Heitor Beltrão, o Fefê elogiando as centenárias casuarinas que margeiam o rio Trapicheiros, de cristalinas águas que dão um som mágico à rua àquela altura da noite, e a própria Lina me disse, quando abraçada a mim, antes de partir:

- Obrigada, Edu. Eu amo a Tijuca.

Até.

23 comentários:

Anônimo disse...

Linda noite, lindo texto, linda família !!!!

Anônimo disse...

Edu, você não mencionou a sobremesa. Seria a torta de mascarpone com calda de amora, framboesa e morango?

Eduardo Goldenberg disse...

Obrigado, Monica: mas você fala "linda família" porque não me conhece. Meu irmão é lindo, minha cunhada é linda, minha menina não existe. Eu destôo. Aquele abraço!

Anônimo: NUNCA!!!!! Eu jamais, nem a fórceps, comeria um troço desses. Bola fora! Um abraço.

Olga disse...

"notei uma lágrima escorrendo à certa altura"

Não fosse esta frase, e eu acharia que você estava exagerando. (rs)

E a sobremesa seria a torta de chocolate com licor de laranja? Ai, Jesus, bola fora ou bola dentro.

Eduardo Goldenberg disse...

Olga: pena que minha cunhada - que me lê diariamente - não comente no BUTECO. Ela seria a pessoa certa para lhe convencer de que, mais uma vez, fui preciso do começo ao fim. Quando vi a lágrima correndo em direção à sua boca, rosto abaixo, pensei:

- É um cisco, só pode.

Mas, não. Era choro, mesmo, de emoção.

E foi bola fora, Olga.

Meu Deus... será que ninguém descobre o óbvio?!

Um beijo.

Luiz Antonio Simas disse...

Tiramisu

Eduardo Goldenberg disse...

Água, Luiz Antonio, água.

Olga disse...

Edu, o óbvio seria a torta de nozes com sorvete de baunilha? Facilita, Edu, porque dessa vez não dá pra ligar, não tenho intimidade com os donos.

Eduardo Goldenberg disse...

Não gosto de torta de nozes.

E, facilitar? Eu?

Ora, Olga: quem facilita é o seu Amim, dono da Casa Elizabeth, quase em frente ao seu prédio, pô!

Mas é tão fácil...

Meu Deus.

Chega a ser assombroso.

Um beijo.

Anônimo disse...

porra, é goiabada com queijo minas tá na cara

Olga disse...

Edu, poxa, quer dizer que acabou o mistério? (rsrs)

Eduardo Goldenberg disse...

Não, Zé Sergio, não é goiabada com queijo, animal. Bola fora.

Olga: na Tijuca tudo se sabe. Em todos os níveis, do térreo ao nono andar, digamos assim - para ser mais claro. Um beijo.

Olga disse...

Ai, Jesus, deram as coordenadas todas. Que medo!

E a sobremesa, nada, né?

PS: Tinha mandado o mesmo comentário, mas deu um troço aqui, na dúvida, tô reenviando.

Anônimo disse...

Profiteroles?...

Eduardo Goldenberg disse...

Olga: ninguém acertou, até agora, a sobremesa...

Nem você, Betinha... nada de profiteroles. Profiteroles... essa sobremesa não chega aos pés da sobremesa a que me refiro. Aliás... só no FIORINO!

Beijo.

Anônimo disse...

Du , certamente foi pão com banana !!

Anônimo disse...

Seria o Gelatto ????

Eduardo Goldenberg disse...

Finalmente!

É evidente que a melhor sobremesa do mundo - até os críticos especializados de gastronomia de NY, Paris, Londres, Roma, reconhecem isso! - é a GELATO FIORINO ou GELATTO FIORINO (não sei se com um ou dois "T"): biscoito champagne, rum, chocolate, doce de leite, castanhas, nozes, amêndoas... era barbada!

Anônimo disse...

Minha assessora da Afonso Pena para assuntos Tijucanos atuais, é danada !!!!
Confesso que os meus estão uns vinte anos desatualizados.

Anônimo disse...

Sou mais um chicabon

Anônimo disse...

Pô, Edu: dá uma chance pra torta de mascarpone. Sei que a descrição dela pode parecer uma coisa meiga(y), mas é de comer de joelhos, bicho! A primeira vez que comi fiquei com as pernas bambas.

Eduardo Goldenberg disse...

Chicabon só se for na sua testa, né, Zé Sergio, querido?

Alexandre: ficou com "as pernas bambas"?

Sei.

Eu como SEMPRE a mesma sobremesa no FIORINO.

Sentado e com as pernas no lugar.

Aquele abraço!

Anônimo disse...

As pernas já estavam bambas desde as duas garrafas de merlot. Rs..