30.5.09

A TURMA DA FUZARCA

Conforme eu lhes prometi ontem (confiram aqui) eis o vídeo que fiz no BODE CHEIROSO na quarta-feira, pouco antes de Vasco e Corinthians, no Maracanã.


Notem que há, como sempre (eis uma de minhas sinas), um palmeirense no caminho. E notem, mais, o grito bárbaro, redentor, do homem de camisa azul e barba grisalha no canto à esquerda, sentado à mesa. Notem que é um berro, apenas, um grunhido olímpico, e não se consegue compreender o que ele tenta gritar. Mas entende-se - eis a verdade - tudo.

Até.

29.5.09

DIGRESSÕES

Fui anteontem, depois de um bom tempo, ao Maracanã. Fui ver Vasco e Corinthians pela Copa do Brasil. Estádio quase-lotado, mais de 70.000 presentes, e acabou que vi um bom jogo de futebol, 1 para o Corinthians, que abriu o placar, 1 para o Vasco.

Deixei de ir aos estádios para ver o Flamengo. A estúpida decisão que proíbe a venda de cerveja nos estádios (e agora, mais absurdamente, no entorno dos estádios) foi fundamental para que eu passasse a preferir, de longe, o jogo visto do buteco com cerveja sempre à minha frente, ou o limãozinho da casa, ou os dois ao mesmo tempo.

Anteontem fui, entretanto, porque jogava o Vasco, o Vasco de meu pai, o Vasco de meu querido amigo Aldir Blanc, o Vasco de uma de minhas afilhadas amadas, Milena Blanc, o Vasco de meu irmão do meio, o Fefê. Quis, eu, dar de presente a ele, Fefê, a oportunidade de ver o jogo de seu time com o conforto que meus 40 anos pedem e que ele merece (tenho a impressão de que ele não ia ao Maracanã há coisa de 3, 4 anos). Fomos de cadeira especial graças à benevolência do Mussa, que gentilmente acatou meu pedido e me emprestou suas cadeiras perpétuas.

Além do mais eu tenho, pelo Vasco da Gama, já lhes disse isso aqui, uma simpatia aguda. Escrevi ali: "Meu avô paterno, Oizer (...), também era vascaíno. Meu pai, repetindo, é vascaíno, assim como o Fefê. E eu sempre tive uma agudíssima inveja - meu irmão não me deixará mentir - do que eu chamo de cafonice vascaína. Sempre admirei a velha Dulce Rosalina e suas mil e quinhentas pulseiras, sempre admirei a portuguesada que gritava casaca! a cada vitória do Vasco, sempre admirei o Santana, massagista legendário do Vasco da Gama, e estou aqui escrevendo, escrevendo, e não consigo - tristíssima constatação - traduzir exatamente o que me faz admirar, olimpicamente, o Vasco da Gama e seus torcedores, e a ligação umbilical entre esses torcedores e o clube - relação que nada tem de artificial, ao contrário do que acontece com os clubes de massa que acabam conquistando torcedores por questões de modismo.".

Pausa.

Relendo este texto - SOBRE O VASCO DA GAMA - escrito em dezembro de 2007, descobri um troço curioso. Em 21 de julho de 2008, há quase um ano, comentou um anônimo que identificou-se como ANÔNIMO DESTERRADO NA TERRINHA, vejam:

"Carioca do Maracanã, Rua Santa Luiza, desterrado há 10 anos na Europa (agora em Lisboa), invejo aqueles que sentem pelo Vasco o que senti na minha infância, sofrendo a escutar no rádio os gols de Rondinelli, Zico, Zico, Zico... Sofria, mas amava o meu time. Os anos Eurico mataram, para mim, a identidade do Vasco. Espero que haja ressureição."

Ora, ora, ora... só pode ser o Sérgio Reis, de Lisboa, vejam aqui!!!!! Eu já disse e repito. Pra quem tem um blog uma das coisas mais bacanas é reler os comentários dos leitores... descobre-se cada coisa que eu vou lhes contar! Vamos voltar.

Notem como serpenteio hoje, razão pela qual o título, DIGRESSÕES, parece-me perfeito.

Pois concentramo-nos, eu e meu irmão do meio, no BODE CHEIROSO. Havia, ali, naquele buteco da General Canabarro, ainda comandado pela Martha (ponho o "h" no nome pois acho que fica mais bonito assim), uma legião de vascaínos de todas as gerações. Parêntesis: havia também um palmeirense que eu filmei, evidentemente, e amanhã mostro a vocês.

Cafonas toda a vida - eis uma característica vascainíssima -, velhos e moços cantavam hinos de guerra e tinham nos olhos a dor do recente rebaixamento e a esperança da glória, do reerguimento, da volta por cima.

Às nove e quinze tomamos o rumo do estádio, eu e meu irmão. Não íamos juntos ao estádio há muito tempo (escrevi lentamente a frase e não houve jeito de lembrar quando foi a última vez).

Como sou Flamengo o jogo tinha, para mim, a delícia da imparcialidade. Eu era, na mais absoluta acepção da palavra, apenas espectador. E assisti não apenas ao jogo, mas também ao meu irmão.

Ele, nervoso, cuspia palavrões como quem respira. E - vocês sabem disso - o palavrão, no estádio de futebol, tem a pureza de choro de recém-nascido. Meu irmão dava socos no ar, no encosto da cadeira da frente, e vê-lo nervoso, com raiva, com ódio da inabilidade dos jogadores vascaínos, me dava um prazer estranhíssimo. Assim como o palavrão, no estádio de futebol, é sacrossanto, o ódio é santo e purifica. Toda ira, no estádio de futebol, é santa.

E como eu estava em débito comigo mesmo com relação a alguns sentimentos que foram atropelados (não lhes interessa por quem), mesmo com os 90 minutos tendo passado rápido demais, fiquei, apesar da fugacidade do tempo de jogo, com a alma lavada.

Vê-lo ali (falo do meu irmão, por óbvio), espumando de ódio (santo, quero repetir), puto dentro das calças com o empate que deixou o Vasco em situação desconfortável para o jogo da próxima quarta-feira no Pacaembu, e ainda agredindo de forma irascível uma artistinha que era entrevistada na saída do jogo por um repórter da TV GLOBO, deixou-me profundamente satisfeito e com ainda mais saudade de uma porção de troços que pensei enterrados para sempre.

Andávamos em direção à escada rolante quando o vi apontando o indicador em direção à mulher:

- Piranha! Corinthiana safada! Piranha!

E as vozes eram muitas, a pobrezinha parecida assustada.

Cutuquei meu irmão:

- Quem é?

Antes que ele me respondesse, já explodindo de rir, virou-se um vascaíno de camiseta e tamanco à nossa frente:

- Uma corinthiana filha da puta sendo entrevistada por esse repórter de merda que tem o escudo do Flamengo tatuado no braço!

E espumava, ele também, de ódio santo.

Eu, curiosíssimo:

- Mas quem é? Qual o nome dela?

E o homem de tamancos:

- Sei lá, meu irmão! Nunca vi!

Eu, quase-médium, via aquele mar de cabeças cobertas por halos dourados que transformavam o Maracanã num pedaço do céu.

Até.

28.5.09

UMA NOITE TIJUCANA

Perdão, minha mãe, mas preciso começar assim... Meus poucos mas fiéis leitores, vocês que me lêem sabem que desde há muito deixei de lado a faceta do BUTECO que expunha, de forma aguda, minha vida pessoal e meu dia-a-dia, por incontáveis razões que não vêm ao caso. Ocorre que preciso lhes contar sobre a noite de ontem por conta não apenas da excepcionalidade do ocorrido mas também por conta da belezura que foi o desfecho da história, já quase quatro da manhã.

Tudo o que se viveu na noite de ontem ficará para sempre guardado na memória e no coração dos que estiveram em torno da mesma mesa no BODE CHEIROSO, glorioso pé-sujo na rua General Canabarro, na Tijuca (é claro), desde às sete e meia da noite.

O que quero lhes contar aqui é outro troço.

O Cráudio, autor do blog CHUTA QUE É MACUMBA (aqui), e que é um triplo explosivo ambulante (ele é, em ordem alfabética, comunista, corinthiano e japonês), responsável direto pela realização do desejo agudo que tomou de assalto meu mano paulista, o homem da barba amazônica, veio ao Rio para ver Vasco e Corinthians.

Na bagagem, despachada noutro vôo, em carne e osso, isso mesmo, Fernando Szegeri, que veio - tomem nota - APENAS PARA BEBER COMIGO (eu ia escrever CONOSCO, mas eu sou assim).

Após o jogo, conforme o combinado, reencontramo-nos todos no BODE CHEIROSO, já que além do Cráudio, também fui ao jogo, com o Fefê, meu irmão do meio. No buteco ficaram (em ordem alfabética para não ferir suscetibilidades) Felipinho Cereal, Fernando Szegeri, Luiz Antonio Simas e Marcelo Vidal.

Pois o Cráudio, quando descia a rampa das arquibancadas, disse a seus amigos corinthianos:

- Vamos comigo beber com uns amigos num buteco aqui perto?

Os civilizados membros da Gaviões da Fiel, homens mansos e desacostumados com as quebradas, fizeram "ohs" e "ahs".

- Aqui perto?! Na Tijuca?!

- Na Tijuca.

- ´cê tá doido, meu! A Tijuca é foda. A Tijuca é violenta. A Tijuca é perigosa.

E ficaram nessa lenga-lenga nojenta que macula o bairro onde nasci, onde cresci e fui criado.

O Cráudio, que apesar dos olhos puxados enxerga longe, e que de otário não tem nada, foi ter conosco em torno da mesa.

E faço a ele o pedido público para que comente, ele mesmo, sobre o que foi o passeio que fizemos a pé (acompanhem o traçado em vermelho no mapa abaixo), da General Canabarro, de onde partimos quase às duas da manhã, em direção ao ESTUDANTIL, na Haddock Lobo. Saímos da General Canabarro, entramos na Oto de Alencar, descemos a Lúcio de Mendonça (onde mora o Simas), dobramos à esquerda na Mariz e Barros, à direita na Professor Gabizo, atravessamos a Heitor Beltrão, pegamos a Martins Pena, a Afonso Pena à direita, atravessamos a Doutor Satamini e entramos à esquerda na Haddock Lobo.

caminhada da rua General Canabarro até a rua Haddock Lobo, Tijuca, Rio de Janeiro

Pegamos o ESTUDANTIL fechado (perto das três da manhã!), mas vazava luz pela fresta da porta de ferro.

O Felipinho bateu:

- Quem é?

- Felipinho, amigo do Edu...

Abriu-se a porta.

- Pô, por que tu não disse logo que era você?! O que vocês querem?

- Três cervejas e quatro copos americanos... toma aqui o dinheiro...

Éramos, àquela altura, eu, Cráudio, Felipinho Cereal e Fernando Szegeri.

- Paga depois... paga depois...

Nos entregaram as três cervejas geladíssimas já abertas, os quatro copos, e o caboclo disse, já indo embora:

- Depois deixa no canteiro ali, ó, os cascos e os copos. Falou?

E disse o homem da barba amazônica, de olhos marejados, uma de suas frases clássicas:

- Sabe quando isso aconteceria em São Paulo?! NUNCA! - e fez-se o eco na deserta Haddock Lobo.

Generosas doses de Old Parr fecharam a noite, quando me despedi do malandro às cinco e meia da manhã.

Salve a Tijuca e - o Cráudio vai lhes contar... - suas ruas!

Até.

27.5.09

MAIS SOBRE SANTA

Preciso confessar a vocês, de pé diante do balcão imaginário, que me empolguei com a repercussão de meu humílimo texto no qual discorro, brevemente, sobre o comportamento de grande parte das pessoas que sobem para o aprazível bairro de Santa Teresa, que elas chamam de Santa, com uma intimidade tão falsa quanto o comportamento a que me referi (e ao qual novamente me referirei hoje, leiam aqui). Luiz Antonio Simas fez menção ao texto em seu HISTÓRIAS DO BRASIL (aqui) e Carlos Andreazza, agora também n´outros balcões aqui à direita, em seu TRIBUNEIROS (aqui). Recebi alguns e-mails elogiando o que escrevi, e um comentário - apenas um - que não publiquei por ser anônimo ( enquanto lia as agressões do descolado a telinha do computador exalava um repugnante cheiro de maconha e de pele mal lavada).

E do que me acusava o ser humano que enviou tal comentário sob o manto do anonimato?

Sentem-se, meus poucos mas fiéis leitores, que a acusação do bicho-grilo é gravíssima.

Pausa: tomei um pito de mamãe, dia desses. Disse-me ela, por e-mail (recebo e-mails de mamãe com freqüência), que este chavão - meus poucos mas fiéis leitores - é "às vezes cansativo para quem lê sempre". Em frente.

Acusou-me de ser bairrista.

Eu?

Ora, pobre do homem que não é bairrista. Pobre do homem que não nutre, pelo chão no qual nasceu, cresceu e no qual vive, um amor fanático, cego, retumbante e patriótico. Vejam vocês o caso de Arthur Tirone, o Favela. O caboclo escreveu dia desses: "Sou, e quem me conhece sabe, um sujeito fincado neste brejo.". Referia-se, é claro, à Barra Funda, e esse amor do Favela por seu chão nos torna ainda mais próximos, jungidos pelo amor sagrado que nos une à nossa terra. Vejam vocês o caso de Luiz Antonio Simas, que tem pregado por onde anda sua decisão, inamovível, de não deixar os limites da Tijuca para nada que não seja estritamente indispensável. Leiam o Felipinho Cereal, aqui, e me digam se esse troço de amor pelo bairro não é bonito pacas. Ora, meus poucos mas fiéis leitores (desculpe, mamãe), percebam que o piolhento que me agrediu através do comentário não publicado foi infeliz, como deve ser infeliz, ele próprio, morando no Leblon, onde disse viver desde que nasceu. Escreveu, à certa altura, o fedorento: "Nasci e até hoje vivo no Leblon. Mas não dispenso a feijuca do Bar do Mineiro nos finais de semana. Não dispenso a carne-de-sol do Bar do Arnaudo. Não dispenso o clima do Sobrenatural com suas cervas geladaças. Não dispenso o cineminha no Cine Santa. E tenho dinheiro para tudo isso, o que não deve ser seu caso.".

Vejam os clichês pipocando no texto. A "feijuca" (eles são íntimos de tudo) do BAR DO MINEIRO (que é apenas razoável). A carne-de-sol do BAR DO ARNAUDO (que não faz nem cócegas na que é servida no BAR DO CHICO pela metade do preço). A "cerva geladaça" do SOBRENATURAL, o "cineminha no Cine Santa".

Encaixa-se, com perfeição de puzzle, na descrição que fiz do jovem que sai da zona sul em direção ao Largo da Carioca em busca do bondinho que o levará para Santa Teresa.

Posso apostar minhas fichas como o cheio-de-lêndeas estuda na PUC (onde estudei Direito e onde vivi à margem dos descolados que me rejeitavam como um pestilento). Permitam-me lhes contar um troço, rápido. Primeiro dia de aula, ano de 1987. Fui para o campus de chinelo de dedo (o que me garantiu o apelido de "pedreiro" nos primeiros meses), bermuda, camisa de malha, uma mochila, um caderno, caneta, lapiseira e borracha. Os homens de minha turma, todos, de terno.

Já trabalhando?, eu me perguntei.

Não. Era pose. Pose, pose e apenas pose.

Pois então. O cheio-de-lêndeas estuda na PUC, planeja suas incursões à Santa Teresa (que ele chama de Santa, como sói acontecer) apertando um na vilinha dos Diretórios Acadêmicos da Universidade, vai aos lugares-clichês que fazem a festa da VEJA RIO, é eleitor empedernido do PSOL (que é, como bem disse o Simas, Santa Teresa em forma de partido político) e tem a pachorra de perder seu tempo para me chamar de bairrista, como se isso fosse uma forma de agressão.

Deus permita que eu me mantenha assim, tijucano até o último de meus dias, e por várias encarnações.

Até.

26.5.09

O BUTECO EM LISBOA

Dia desses eu publiquei O BUTECO EM COPENHAGEN (leiam aqui), transcrevendo o e-mail que recebera de uma leitora brasileira residente na Dinamarca.

Domingo passado, assim que cheguei de São Paulo, dei de cara com o e-mail que abaixo transcrevo, de autoria de Sérgio Reis, brasileiro (tijucano, tijucano, tijucano!!!!!) hoje residindo em Lisboa, Portugal.

Comecei a lê-lo em voz alta pra minha menina. E a voz começou a embargar. O emocionado relato do meu chapa tijucano é só mais uma prova (definitiva) de que o sujeito pode sair da Tijuca. O bairro - é uma verdade acachapante - jamais sairá de dentro do sujeito.

"Caro Eduardo,

Nasci no Maracanã, ali na rua Dona Luísa (aquela que, com a Dona Zulmira, se fez famosa pelas batalhas de confete dos anos vinte do – vá lá - século passado). O ano era 1968 (boa safra). A vida depois me levou a outros cantos: estive alguns anos em Botafogo, depois fui para Minas Gerais. Mais tarde, um pouquinho mais longe: Barcelona, Valencia e agora, definitivamente (como dizem, esta palavra vale o que vale ‘permanente’ como penteado feminino), Lisboa.

Demorei muito (muitos anos, mesmo) a perceber a marca que meus primeiros anos de Tijuca e arredores havia deixado na minha alma, no modo de ser, gostos, preferências, identificações e afinidades. Passei tempo a me perguntar porque buscava e gostava tanto de um determinado tipo de ambiente, música e histórias. Por exemplo, que diabo me enlouquecia tanto em tudo que o Aldir Blanc fazia (para piorar, meu pai é de Ponte Nova, terra do João Bosco), que ‘estranho fascínio’ exercia em mim tudo que dizia respeito às histórias da Tijuca, os butiquins, bem, penso que me explico.

Curioso como possa parecer, algo que realmente me fez fechar a questão foi, já ‘velho’, o encontro do teu blog (fará um ano). Comecei a ler estas coisas tuas, do teu amigo Simas e me invadiu uma sensação tão estranha, de, de repente, não sei, ter visto diante de mim o meu berço, o que teria sido a minha vida sem tanta andança, e mais, o porquê da minha atração por todos estes aspectos, atração que sempre me acompanhou mas, talvez estupidamente, nunca me pareceu óbvia.

Desde então, desnecessário dizer, a frequência com que sigo as histórias destes blogs até já irrita (só um pouquinho) a minha mulher. É troço para Freud explicar, ou talvez não seja tão difícil: sinto-me tão bem, aconchegado, como que visitando a casa dos primos, quando leio o que os dois escrevem (não preciso nem concordar com tudo, coisa que, naturalmente, não acontece). É-me sempre prazeroso ler as postagens, tanta picardia, ternura/ira (na dose certa), tanta sinceridade, de gente que tem a mesma bagagem que eu.

Bem, era só isso. Pensei que gostaria de saber que ajudaste no resgate do background (o anglicismo é só para provocar) de um tijucano que anda longe há décadas.

Obrigado e um abraço,

Sérgio"


Daqui, do Brasil, sob esse céu azul-de-maio que desenha-se no Rio de Janeiro nesse começo de manhã, mando um abraço do tamanho da Tijuca pro Sérgio.

Até.

25.5.09

OS TIRONE

Do alto dos meus 40 anos posso dizer, sem medo do erro, que a vida me pregou muitas peças. Apresentou-se doce e mansa por vezes e noutras tantas amarga e tormentosa. Tive muita tristeza e muita decepção mas também intensas alegrias e incontáveis surpresas. Cultivei um poço artesiano de ternura e encontrei lodo e lama no fundo. Fui irmão dos meus irmãos e houve quem dissesse que jamais o fui. Por outro lado a terra, arada permanentemente por minhas mãos ávidas por coisa boa, mostrou-se fértil. Posso dizer, por mais que eu tenha a alma machucada por estar vivo (o que se diz imaculado é um mentiroso), que sou um homem de sorte. Vim de uma família da qual me orgulho, nasci e cresci num bairro que amo, tenho os amigos que quero e dos quais preciso, vivo com a mulher que amo, e amealhei, e venho amealhando, e que os deuses permitam seja assim pra sempre, fraternos amigos que dão mais sentido a essa aventura fabulosa que é viver.

Vocês estão carecas de saber que Fernando José Szegeri (e escrevo seu nome todo a pedido do próprio) é um sujeito fundamental pra mim. Dentre tantos feitos capazes de me tornar um homem melhor, Fernando José Szegeri foi o autor de um que serve como mote para o que quero lhes contar hoje.

Fernando José Szegeri apresentou-me a Arthur Tirone, o Favela. Foi no CUCA, em São Paulo, durante um dos aniversários da AGENDA DO SAMBA & CHORO (não consigo me lembrar em que ano, nem à fórceps). Fomos costurando, eu e o Favela, ao longo do tempo, uma relação sólida que a mim só trouxe coisa boa, amalgamada à base de cerveja, cotovelos no balcão, limão da casa, doses de Cynar, porções de torresmo e muito samba. Relação iniciada, é preciso que se diga, com o aval que foi dado pelo homem da barba amazônica. Esse troço do aval, entre os homens, é de suma importância. Não por outra razão formamos um time de primeira, hoje em dia: não é nada incomum estarmos à mesma mesa eu, Arthur Favela Tirone, Bruno Ribeiro, Felipinho Cereal, Fernando Szegeri, José Sergio Rocha, Luiz Antonio Simas, tantos outros (todos em ordem alfabética para não ferir suscetibilidades), e sempre sob as bençãos desse filho de Xangô, homem bom e justo a quem fui visitar neste último final de semana, mais uma vez (fui tomar-lhe a benção, eis a verdade).

Fui visitá-lo e ele havia programado um furdunço no sábado.

Na sexta-feira, pouco antes de sair do Rio, recebi o chamado szegeriano. Disse-me ele:

- O Favela também vem!

E disse mais:

- O Bruno também!

Nem bem eu festejava a notícia e ele emendou:

- Mimi e Denize também, Edu! Você vai conhecer o Mimi!

O Felipinho Cereal, que recentemente teve o prazer de conhecer Vladimir Tirone, o legendário Mimi, (leiam aqui o relato do Felipinho e aqui dois relatos de seu próprio filho), já havia me dito:

- Você precisa conhecer o Mimi, uma lenda viva, uma lenda!

Pequena pausa.

O Favela nutre, pelo pai, um amor e uma devoção que muito se assemelha ao amor e à devoção que nutro por meu pai. Como nutre, pela Barra Funda, um amor assemelhado ao amor que me liga, umbilicalmente, à Tijuca. E seus olhos, quando miram a mulher amada, têm o mesmo brilho que embeleza meus olhos feios quando eles encontram os luminosos olhos da mulher que me ensinou a sorrir. São pequenos exemplos, pequenos sinais que nos fazem irmãos das mesmas crenças e da mesma fé.

Pois conhecer Vladimir Tirone e Denize (a menina do Mimi), beber com eles todos (eram três varões Tirone sob o mesmo teto), beber com José Szegeri, e eu com uma aguda saudade de meu pai, que fez forfait e não apareceu, foi mais um grande prêmio que a vida me deu.

Osvaldo Tirone (leiam aqui um emocionado relato do neto) pintou na área, depois de devidamente evocado. E pensando bem, meus poucos mas fiéis leitores, papai também bebeu conosco.

José Szegeri, Eduardo Goldenberg, Vladimir Tirone, Fernando Szegeri, Bruno Tirone e Arthur Tirone, 23 de maio de 2009, São Paulo
Bruno Tirone, Vladimir Tirone, Marcão Gramegna, Arthur Tirone e José Szegeri, 23 de maio de 2009, São Paulo

Dona Denize, antes de ir embora, já tarde da noite, ela que fez o papel de mãe-de-todos-nós, me disse uns troços tão bonitos, mas tão bonitos - e não há razão para reproduzir suas palavras aqui - que cravou-se em mim a certeza de que a Barra Funda e a Tijuca são co-irmãs, que os Goldenberg, os Szegeri e os Tirone (na mesmíssima alfabética ordem de alhures) são frutos do mesmo barro, do mesmo sagrado barro moldado pelas mãos de nossos antepassados que gargalhavam sobre as árvores daquela casa abençoada no bairro da Lapa, distrito da região oeste da cada vez mais sagrada cidade de São Paulo.

Até.

23.5.09

CLARO QUE NÃO PRESTA

Quando o Brasil foi varrido pela onda da privatização, iniciativa da tucanalhada que distribuiu aos amigos o tesouro nacional, a patuléia comemorou. Diziam, bem me lembro, que estávamos ingressando no primeiro mundo, que estávamos deixando pra trás o estatismo jurássico em nome de um empuxo em direção ao futuro modernoso, eficiente e capaz de dar conforto e qualidade aos brasileiros. Diziam, mais, como repetidores autômatos do discurso mentiroso que encobria as falcatruas que enriqueciam os poderosos de sempre, que a competitividade do mercado aberto à iniciativa privada seria saudável e assim vimos os grupelhos formados por ladravazes vorazes (a rima foi de propósito sem nenhum propósito específico) tomando de assalto a telefonia, a energia, e tudo mais.

Sou cliente da CLARO, operadora de telefonia celular que detém grande fatia do mercado brasileiro.

Na semana retrasada, intrigado com umas cobranças equivocadas feitas na minha conta mensal, tentei contato com o 1052, o telefone disponibilizado pela (des)operadora para atendimento aos clientes.

Depois de uma semana inteira sem conseguir contato com o telefone-mentira (como mentirosas foram as premissas que balizaram a vergonhosa entrega do sistema nacional de telefonia), decidi filmar a patética situação. Vejam o filme abaixo.


A portabilidade - o nome é nojento mas o troço é interessante do ponto de vista do consumidor insatisfeito - está aí pra isso mesmo.

É claro que vou rescindir meu contrato com esse lixo que atende pelo nome CLARO.

Até.

22.5.09

CENAS TIJUCANAS

Já vi de tudo - ou quase tudo - aqui na Tijuca, de longe o melhor bairro da cidade. Vira-e-mexe alguém me pergunta sobre a Tijuca, sobre esse profundo amor que nutro pelo chão desse bairro que me viu nascer e crescer, quase sempre sem entender o que há na Tijuca e que seja capaz de tanto me magnetizar. Não cabe explicação, diria o poeta. Mas eu me atrevo a, numa brevíssima digressão, explicar a você, leitor de longe (alô Daniel, alô Camila!), o que é que há aqui nesse bairro onde nasceu Tom Jobim, onde vive o estupendo compositor Aldir Blanc e os imprescindíveis Felipinho Cereal e Luiz Antonio Simas, onde fica o morro da Formiga, do Borel e do Salgueiro, bairro vizinho do Estácio e de Vila Isabel, onde fica o Maracanã, o América, a Praça Afonso Pena, grandes botequins, quitandas antiquíssimas, ruas portentosas como a Matoso, a Conde de Bonfim, a São Francisco Xavier que passa pela Mangueira, onde vivem meus pais desde que nasceram, onde viveu o poeta Paulo Emílio da Costa Leite, onde fica a secular igreja de São Francisco Xavier do Engenho Velho, bairro mágico que só se desvenda ao homem com olhos de ver e ouvidos de ouvir.

Hoje mesmo, voltando pra casa (voltando à primeira frase deste texto), tropecei numa macumba na esquina da Caruso com a Haddock Lobo que eu vou lhes contar! A assistência que bebia de pé, diante do balcão do BAR DO MARRECO, tecia os mais estapafúrdios comentários sobre o troço. Despachado na esquina, um prato de barro gigantesco, comidas que não identifiquei, quatro velas acesas em volta da coisa, uma garrafa de marafo e, deitada sobre um leito de farofa amarela, uma boneca horrorosa e desfigurada (tinha os olhos arrancados e portanto vazados) que me pareceu a Barbie (sem negrito, evidentemente, que boneca não é gente), com os cabelos desgrenhados e sem uma das pernas.

Um cabeça branca (parei pra ouvir a discussão) deu a sentença:

- Deve ter sido o Pinóquio...

- O Pinóquio? - disse um careca barrigudo sem camisa.

- O Pinóquio... - e cofiou a barba, o coroa.

Deu um gole na cerveja, tragou fundo o filtro amarelo que pendia da boca, e arrematou:

- Dizem que o filho dele, o..., o...

- O Maurício! - foi a ajuda que deu o balofo.

- Isso! O Mauricinho... - e riu.

- O que é que tem a bichinha? - emendou o Marreco, de dentro do balcão.

- Pois é, dizem que o moleque pediu uma boneca Barbie de presente de aniversário pro pobre do Pinóquio!

Neguinho explodiu de rir na esquina.

Continuou:

- Parece que ele foi se consultar com a dona Catarina, aquela macumbeira lá da Praça da Bandeira, que recomendou expressamente esse troço aí.

Apertei o passo pra casa.

Fiquei rindo de mais essa cena, tijucaníssima, e agradeci a Deus o fato de ter nascido aqui, de ter escolhido viver aqui. Em nenhum outro lugar há mais autenticidade. Lembrei-me de Santa Teresa, por exemplo. O aprazível bairro tem um troço que me intriga. Ele modifica as pessoas de uma forma aguda, ele molda as pessoas, ele dita moda e a moda é incorpoada pelo visitante, como se este último fosse um médium sem controle sobre a entidade. Explico.

O casalzinho jovem mora em Ipanema e resolve ir à Santa Teresa no sábado pela manhã. Tomam um táxi e saltam no Largo da Carioca a fim de tomarem o bonde pra Santa (o habituè adora chamar Santa Teresa de Santa). Entram no bonde. O bonde parte. Atravessa os Arcos da Lapa e na primeira curva, já dentro do bairro, começa o espetáculo. Ela abre a mochila. Saca uma touquinha de crochê, tira o All Star e veste uma sandália de couro, coloca uma bata colorida sobre a camisa de malha, põe uns 6, 7 anéis nos dedos da mão, estende o anel de osso preto pro namorado, que o atarraca no polegar da mão direita. Ele rasga a bermuda jeans, como um possesso. Joga o par de tênis dentro da mochila da namorada, veste um par de havaianas surradas, despenteia o cabelo, coça a cabeça como um menino cheio de lêndeas e saca do bolso da frente o cigarrinho de maconha piscando o olho em direção à namorada:

- Máum? - é assim que essa gente fala "vamos fumar um?".

E passam a tarde felizes zanzando pelas ruas do bairro alternativo.

Semelhante fenômeno - o da transformação, o da mimetização entre bairro e visitante - dá-se com a Lapa.

A Lapa de outrora, que eu não conheci, era muito, muito, mas muito diferente dessa mentira que contam hoje. Ontem à noite mesmo, de papo com um amigo querido da velha-guarda, disse-me ele, revoltado com essa Lapa bacana que toda hora é manchete dos caderninhos de cultura dos jornalecos cariocas:

- Ninguém mais pega gonorréia na Lapa, porra!

Pausa: esse sujeito, esse grande sujeito, será o próximo entrevistado do BUTECO, aguardem.

Vejam vocês que dia desses a revistinha das sextas-feiras do lastimável jornal O GLOBO pôs na capa o sexagenário Caetano Veloso posando dentro do CAPELA (onde, suponho, ele jamais pisou), dizendo que a Lapa é a síntese do Rio.

Mentira.

A síntese do Rio - já disse Luiz Antonio Simas em brilhante entrevista que tenho gravada - está na zona norte, no subúrbio, nas biroscas da Baixada Fluminense, no coração do carioca que não está nem aí pra modas, modismos e mais que tais.

Vai-se à Lapa hoje e deixa-se as calças pra pagar as despesas cobradas naquelas mentiras que pululam a cada esquina.

E o que faz a playboyzada que vai beber na Lapa nos finais de semana?

Sai de lá com uma malemolência fabricada e mal feita dizendo:

- Brother, a Lapa é demais, mermão. Demais.

Não sabem nada.

Até.

21.5.09

SZEGERI E O BRIZOLA

Como lhes contei aqui, no texto BRIZOLA EM 1989, muito por alto, Fernando José Szegeri, esse mito, o homem da barba amazônica, esse homem que já nasceu barbado e já funcionário público, esse pai de três filhos, arrimo de família, meu irmão siamês, esse homem incapaz de rejeitar, a qualquer tempo, a condição de siamês que nos torna capazes de momentos que beiram o inacreditável (e os exemplos são muitos, as testemunhas também), em 1989, com - o quê? - 17, 18 anos de idade, estava certo de que seu primeiro voto para Presidente da República seria em Mário Covas. Foi assistir ao último debate entre os então candidatos ao cargo, ouvir o emocionado pronunciamento final de Leonel Brizola e mudou o voto. Foi o que lhes contei, quase secamente.

Ontem pela manhã, aturdido com a possibilidade do engano, do equívoco, do deslize biográfico, chamei-o pelo rádio a caminho do trabalho.

Não sei se já lhes contei... Já. Seguramente já. Compramos, eu e o Szegeri, ao mesmíssimo tempo, aparelhos NEXTEL com o intuito de reduzir, drasticamente, nossas despesas com telefonemas diários e intermináveis. Hoje, graças à tecnologia NEXTEL, levamos no bolso a mesinha do bar, o balcão, a cerveja e os copos, e um aperto do botãozinho nos permite diálogos sem o peso do interurbano.

Pois eu o chamei hoje cedo.

Contei-lhe sobre o texto. E sobre a versão que tornei pública.

Ele, empolgado, com a voz embargada lembrando do discurso do velho caudilho, foi enfático:

- Edu... Edu... preciso do início ao fim! Preciso!

Eu, aliviado:

- Verdade?

- Juro.

Fernando Szegeri, um homem que poderia dispensar qualquer jura, eis que não mente, rebaixou-se à condição de um homem qualquer e eu pude ouvir o estalinho dos beijos dados nos indicadores junto à boca durante a confissão:

- Juro, querido! Foi isso mesmo. Mas foi mais dramático...

- Foi? Conta, conta, conta!

- Eu trabalhei, como um mouro, por mais de seis meses, na campanha do Mário Covas. Assisti, como quem assiste a uma final de Copa do Mundo, ao debate final. Quando o Brizola terminou esse discurso, Edu...

Ouvi o homem da barba amazônica fungando. E sem tirar o dedo do botãozinho, não permitindo qualquer intervenção minha.

O motorista do táxi que me levava, sem entender a razão pela qual eu também chorava ouvindo o relato szegeriano, a tudo acompanhava, visivelmente interessado.

Ele continuou:

- ... eu estava sozinho no sofá da sala, e lembro-me bem que estava bebendo um Ovomaltine quente preparado pela minha mãe, àquela altura no banheiro, tomando banho...

Ele não soltava o botãozinho, e eu podia ouvir seus soluços.

- ... quando o Brizola terminou de falar eu chorava violentamente e fui até a porta do banheiro de minha mãe... bati vigorosamente na porta e ela gritou assustada perguntando o que havia acontecido... e eu só consegui dizer, grunhindo... mãe... eu vou votar no Brizola! E votei, querido. Votei no Brizola. Você foi preciso!

Tenho certeza, meus poucos mas fiéis leitores, de que ainda mais preciso depois desse relato.

Até.

20.5.09

LUÍS ROBERTO, UMA VERGONHA

Acaba de terminar a rodada de três jogos pelas quartas-de-final da Copa do Brasil (o Coritiba garantiu, ontem, sua vaga). O Vasco, time de meu pai, de meu querido amigo Aldir Blanc, de minha amada afilhada Milena, de minha comadre Mariana, empatou com o Vitória e garantiu vaga nas semi-finais do torneio. Nada mal para um time que está na Segunda Divisão do Campeonato Brasileiro. O Fluminense, time do maior dentista do Brasil, Marcelo Vidal, e de Marcelo Moutinho, empatou com o Corinthians de meu irmãozinho Arthur Tirone, o Favela e de Julio Vellozo (o mais recente blogueiro dentre os meus, vejam aqui o CASAGRANDE FUTEBOL CLUBE), e deixou escapar a vaga no Maracanã. Já o Flamengo, o meu Flamengo, perdeu de 2 a 1 para o Internacional no Beira-Rio e também abandonou a competição.

Mais nojento que constatar a lamentável situação do time rubro-negro (que mereceu a eliminação) foi assitir à partida narrada por esse locutor da TV GLOBO (podre, como sempre) chamado Luís Roberto, torcendo vergonhosamente pelo time gaúcho.

Uma vergonha, um lixo - um coerência, no final das contas.

Até.

BRIZOLA EM 1989

Eu não sei quanto a vocês, onde vocês estavam, se já tinham nascido, se já votavam, se já tinham, àquela altura, candidato escolhido ou não. Sei que eu já era um brizolista empedernido, que já tinha meu voto decidido, que tinha o trabalhismo como ideário capaz de melhorar o Brasil e a vida dos brasileiros.

Sei, também, graças aos intermináveis papos que mantenho com esse grande brasileiro chamado Fernando José Szegeri, que ele, o homem da barba amazônica, que até então votaria em Mário Covas, mudou seu voto imediatamente após esse pronuciamento emocionado e (hoje) visionário de meu eterno e saudoso Governador Leonel de Moura Brizola, dizendo, igualmente comovido, pra sua mãe, que assistia ao lado dele o debate:

- Mãe... eu vou votar no Brizola...

É pra ele, Fernando Szegeri, que dedico esse vídeo, que encontrei, ontem pela manhã, na grande rede.

Até.

19.5.09

DO DOSADOR

* um homem de bem tem o dever, permanente, de homenagear, de louvar, de adorar seus antepassados, responsáveis diretos por sua existência. Ainda que não se creia na sobrevivência do espírito, da energia que move o corpo (ou o nome que se queira dar a isso), a simples lembrança daqueles que nos antecederam é verdadeiro bálsamo que fortalece, integra e nos sensibiliza para o sentido maior da vida. Digo isso pois sou um homem que tem, continuamente, na carteira imaginária, a imagem, o cheiro, a voz e os gestos dos meus mais-velhos, mesmo os que não conheci - e sei que me faço entender. Isso me faz um bem danado. Procuro estar sempre com Yona Glicklich, meu bisavô, com Anna Glicklich, minha bisavó, com meu bisavô Eugênio, com minha bisavó Mathilde, com minha tia Idinha, Zirota, Chico, Sílvio, com tia Mariazinha, que aos 15 anos deixou uma saudade que sinto até hoje graças aos relatos comovidos de minha avó Mathilde, que do alto de seus 84 anos é fonte permanente de uma memória que não se perde. Falei, falei, falei apenas para lhes dizer que ontem homenageei, à minha moda, Luiz Orlando Grosso, vô querido de meu queridíssimo Luiz Antonio Simas, que do céu comanda, ao som do frevo composto pelo neto, a tropa ao lado de Maurício de Nassau. Eu tenho uma tremenda vontade de ter conhecido o "velho Luiz Grosso", que é como o chama, carinhosamente, meu mano Simas. Mas conhecendo e convivendo com o bardo tijucano, tenho certeza, conheço e convivo com o cabra egresso de Jaboatão dos Guararapes. Pra bom entendedor, meia palavra basta;

* depois de consultar os mais-velhos vivos, decidi aceitar o convite que me foi feito pela organização do festival COMIDA DI BUTECO, que será realizado no mês que vem aqui no Rio de Janeiro. Em 2006 estive em Belo Horizonte para conhecê-lo de perto. Transcrevi os relatos dos dias passados na aprazível capital mineira aqui, aqui e aqui, depois falei bastante mal da idéia quando foi trazida para o Rio (e seguramente os organizadores sabiam disso quando decidiram me convidar pro júri oficial) e agora embarcarei na onda. Na medida do possível, respeitando os limites naturais que enfrenta aquele que topa participar da coisa, contarei tudo a vocês, meus poucos mas fiéis leitores. Haverá hoje, às 19h, no HOTEL MARINA, no Leblon, um coquetel e uma palestra, dada pelos organizadores do evento para todos os jurados do festival. Amanhã mesmo - aguardem - lhes conto tudo. A única coisa que sei, até o momento, é que o Moacyr Luz será meu colega de júri;

* falei em Moacyr Luz e quero lhes contar um troço. Dia desses, em seu blog, o Moacyr contou sobre a gravação do disco MANDINGUEIRO, no texto PRA QUE PEDIR PERDÃO?, leiam aqui. Não havia qualquer razão que justificasse ele ter contado o que agora lhes conto, mas quero fazê-lo, eu mesmo. Corria o ano de 1998. Eu e Moacyr muito próximos, antes de eventos que, digamos, nos afastaram. Dias antes do início da gravação do CD o Moacyr me bateu o telefone. Bateu-me o telefone e me convidou, o que tomei como um tremendo presente, para ser a voz-guia durante a gravação. Entregou-me uma fita-cassete, em voz e violão apenas, e um caderno com as letras das músicas que seriam gravadas. Em resumo: Moacyr Luz no violão, Pedro Amorim no cavaquinho, bandolim e violão tenor, Carlinhos Sete Cordas no violão de sete, Beto Cazes no pandeiro, tamborim e ganzá, Ovídio Brito no pandeiro, cuíca e tamborim, Marcelinho Moreira no tan-tan, repique de mão e tamborim, Gordinho no surdo e esse que vos escreve cantando, ao vivíssimo, as 12 faixas do CD.

Até.

18.5.09

CAFÉ E BAR ESTUDANTIL

Vivemos, no sábado, eu e Luiz Antonio Simas, no finalzinho da tarde, momentos que renderam a idéia que me empurra pra frente do monitor nesse começo de segunda-feira. Eu poderia dar ao texto o nome CENAS TIJUCANAS, o que se tornou rotina aqui no BUTECO. Mas preferi o registro do nome do buteco que foi palco de tais momentos, os quais passo a expôr, com tijucaníssimo orgulho, a todos vocês.

Eu havia acabado de chegar do RAMPINHA (leiam aqui sobre o portentoso restaurante da Praça da Bandeira) e fui convocado pelo Simas para assistirmos juntos à partida entre o Flamengo e o Avaí.

Escolhemos, juntos, o ESTUDANTIL.

O ESTUDANTIL é um tremendo pé-sujo (já escrevi sobre ele aqui, contando sobre uma visita do Felipinho Cereal e do Favela ao buteco) que fica na Haddock Lobo, entre a Alberto de Sequeira e a Almirante Gavião. Mínimo, sem mesas dentro, recebe sua clientela fidélissima no balcão e nas mesas que se espalham pela calçada em frente, sob a copa de frondosas árvores que embelezam a Tijuca.

Um detalhe curiosíssimo é o seguinte: o ESTUDANTIL funciona com a trilha sonora que sai de um rádio National da década de 70, um dos orgulhos do dono, sempre sintonizada na AM. E tem uma TV de 21 polegadas, velhíssima, ligada apenas para o futebol, com uma imagem tão nítida quanto a voz dos bebuns do lugar depois de um dia de intensos trabalhos.

Pensando em ampliar o negócio e atingir outro nicho do mercado (é o que conta a piada que corre por ali), o dono adquiriu a loja ao lado, onde funcionava uma farmácia. Manteve o piso, as paredes, a iluminação feérica, espalhou mesas de madeira pelo salão, pôs porta-guardanapos elegantes sobre as mesas, cadeiras também de madeira fazendo composé, e comprou uma TV de LCD gigantesca para o mesmíssimo futebol que escorre pela tela da TV velha do buteco original.

Resultado: uma horda de homens se espreme no balcão minúsculo do velho ESTUDANTIL e ninguém - nem uma alma, sequer - pisa no novo salão ao lado.

O cara já tentou de tudo: oferece cerveja a preço menor, amendoins de tira-gosto como cortesia da casa, e nada. Um médium vidente daria a sentença: legiões de espíritos lotam o velho buteco e uma aridez impressionante transforma a ex-farmácia numa aléia vazia, triste, silenciosa e sem-ninguém.

Pois bem, vamos à tarde de sábado.

Corria o jogo quando entra um casal à caráter: ele de smoking e ela de longo azul-marinho. O sujeito pede um limãozinho da casa e ela compra três maços de cigarro que estufam a bolsinha de mão que ela carrega sem muito jeito. Pagam e seguem à nossa esquerda, que estávamos de frente para a comovente espelunca. O Simas deu certeza:

- Casamento no Capuchinhos!

Mais quinze minutos e uma senhora gordíssima, com um vestido verde-brilhante mais assemelhado a uma dessas cortinas antigas de casa-de-vó, entra tropeçando no buteco e pede uma batida de mel. Arrota e atravessa a rua gritando pro marido, na esquina:

- Bora, homem! Vamos logo pra mim pegar uma mesa perto da cozinha!

Entraram na AABB, do outro lado da rua.

O Simas:

- A recepção será na AABB... imagine o bufê, imagine o bufê!

Pode soar como sacanagem, mas menos de cinco minutos depois chega ao balcão um casal de anões. Ele embrulhado num fraque e ela com um vestido branco com bolinhas vermelhas, de mãos dadas. Diz o cara, sem conseguir alcançar o balcão, pra um habituè que assistia ao jogo de pé:

- Ô, chefia, pede uma dose de Cynar pra mim, fazendo o favor!

O anãozinho ainda virava o copo num único golpe quando chega um outro casal: ele de terno bege e ela...

O Simas, dando socos na mesa de tanto que ria:

- Edu! Edu! Um travesti! Assim é demais! Liga pro Felipinho que ele não vai acreditar se nós contarmos!

A assistência assobiava diante da presença daquele mulato, 1m80, com uma peruca feíssima, mal-equilibrado no salto-plataforma das sandálias de prata que reluziam na calçada da Haddock Lobo.

Entra um crioulo de calça jeans e paletó branco. Pede uma costelinha que dormia no balcão desde cedo. Comenta, durante o intervalo do jogo:

- Tá feia a coisa no bufê... só tem canapé, pô!

Aos 30 do segundo tempo, o inusitado: chegam os noivos, o cara sem conseguir andar, apoiando-se no véu da companheira. Grita:

- Uma rodada de Brahma pra todo mundo!

A assistência vai á loucura.

Descobrimos, em coisa de cinco minutos, que o negrão de calça jeans é o sogro do cara. Descobrimos, mais, que os anões foram o pajem e a dama-de-honra do casamento, ela a manicure da mãe da noiva há mais de 40 anos, que o travesti é cunhado do noivo e que a lua de mel seria passada em Niterói, depois da noite de núpcias na suíte real do BARILOCHE (excepcional site aqui).

Fim de jogo e o ESTUDANTIL em festa recebendo os convidados do casamento decepcionadíssimos com a recepção na AABB.

Coisas, meus poucos mas fiéis leitores, que só na Tijuca.

Até.

16.5.09

RAMPINHA

Seguindo um dica de Luiz Antonio Simas, um connaisseur quando o assunto é gastronomia, fui almoçar hoje no restaurante RAMPINHA, na Praça da Bandeira, "o maior pólo gastronômico do Rio de Janeiro nos dias de hoje", na sua balizadíssima opinião.

Sou obrigado a concordar com ele em gênero, em número, em grau.

Manobrista na porta a custo zero, um sommelier à disposição da clientela, couvert com pães fabricados na casa, pratos os mais refinados, decoração elegante e sóbria, preços de zona norte (escolhi o que foi o melhor filé à Oswaldo Aranha que já comi na vida a inacreditáveis R$ 19,00), o RAMPINHA é, hoje, um restaurante do qual o tijucano tem que se orgulhar.

A Tijuca, que nada deve ao Leblon, à Copacabana, à Ipanema, tem à disposição o ACONCHEGO CARIOCA, o FIORINO, o LAREIRA, o MITSUBA, o OTTO, e agora o RAMPINHA, reinaugurado depois de uma obra faraônica.

Deixo aqui, todo prosa, a dica para meus poucos mas fiéis leitores.

Na Praça da Bandeira 201, pertinho da rua do Matoso, o RAMPINHA nada deve ao GERO, ao MR. LAN, ao APRAZÍVEL, a esses restaurantes incensados pela imprensa estrábica que não tem olhos pra zona norte da cidade.

Até.

15.5.09

ACONCHEGO CARIOCA

Estive ontem, depois de um bom tempo, no ACONCHEGO CARIOCA, buteco da melhor qualidade na Tijuca, mais precisamente na Praça da Bandeira, comandado pela Kátia e pela Rosa, na companhia de meu irmão querido, de há décadas, Marcelo Vidal, a Lenda, cuja fotografia está imediatamente abaixo, onde estávamos nós, os membros da então ativíssima S.E.M.P.R.E. (Sociedade Edificante Multicultural dos Prazeres e Rituais Etílicos).

Marcelo Vidal (a Lenda), Flávio Savietto (o Xerife), Dalton Cunha, Eduardo Goldenberg, Leonardo Silva (o Zé Colméia) e Fernando Goldenberg, no ACONCHEGO CARIOCA, na Tijuca, em 23 de julho de 2005

Ocorre que no dia dos meus 40 anos, que caiu numa segunda-feira, ligou-me o mais gabaritado dentista do mundo, o homem que me fez de cobaia durante o curso de odontologia, me convocando para uma única cerveja, no trajeto da casa de papai e mamãe, com quem jantei naquela noite.

E aquela única e escassa garrafa de Brahma que derrubei com meu irmão, aquela solitária e representativa garrafa de cerveja que bebemos no BAR DO ESCORREGA, na Tijuca, na rua Otávio Kely, deu-me uma aguda e pungente saudade do Vidal. Explico.

Beber significa quase sempre uma mesa com os amigos, onde a conversa flui com a mesma velocidade com que descem os líquidos que nos fazem homens mais felizes. E há sempre dois, três, quatro, dez amigos em torno da mesa, há sempre a ritualística e pagã santa ceia de homens comuns, mas não há - eis o que eu queria lhes dizer - a possibilidade da conversa a dois, do derramamento de confissões, do olho no olho e da conversa quase-sempre adiada por conta da quantidade de pessoas dividindo torresmo, moela, o limão da casa e os engradados que vão sendo empilhados na calçada do buteco.

Vai daí que marcamos ontem à noite, eu e ele, uma conversa que não tínhamos há - o quê? - muitos anos.

Estava eu em Copacabana e o caboclo, por uma dessas coincidências que dão graça ao dia-a-dia, também. Tentamos o BIP-BIP, tentamos o PAVÃO AZUL, tudo lotado, tudo cheio, tudo contrário ao que queríamos, e ele disse:

- Vamos ao Aconchego?!

Fomos.

Minhas últimas tentativas de ir ao ACONCHEGO CARIOCA esbarraram nas intermináveis filas formadas por gente que quer pisar e cheirar o mesmo chão que Claude Troisgros. Explico, uma vez mais.

Claude Troisgros foi levado por uma amiga ao ACONCHEGO. Lá, o francês encantou-se com as mágicas que saem das mãos da Kátia, o bolinho de feijoada, o bolinho de feijão branco com rabada, uns troços que realmente são de endoidar.

Foi daí que um dia o mestre cozinheiro disse a um jornalista o quanto gostava do ACONCHEGO. A notícia foi parar nos jornais. E uma multidão formada por gente que jamais atravessou o Rebouças, gente que só conhecia a Praça da Bandeira pela fama das enchentes, passou a ir atrás da dica do chef entulhando as calçadas da Barão de Iguatemi, tornando quase impossível conseguir uma mesa naquele apertadíssimo salão onde se servem cervejas espetaculares e uma comida fabulosa, tudo a um preço honestíssimo.

Ontem demos sorte.

Uma única mesa nos esperava.

E vivemos ali, naquele canto escondido da Tijuca, uma noite memorável, até o comecinho dessa sexta-feira, 15 de maio, quando puder matar a saudade do velho Vidal de guerra, a quem homenageio erguendo o copo imaginário atrás do balcão do BUTECO.

Coroando a noite, um telefonema dado pelo meu mano Bruno Ribeiro às 23h51min, com uma pergunta:

- Ainda bebendo, querido?

Não entendi o "ainda", não nos falamos durante o dia.

- Por que ainda, querido?! - eu disse.

De Campinas, com a voz mareada, o Bruno riu, trocamos meia-dúzia de palavras, a noite ganhou ainda mais cores de impressionantes mistérios e partimos, os dois, felizes, pra casa.

Até.

14.5.09

FIM DA PICADA

É lamentável ver o papel a que se presta o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.

publicado no SEGUNDO CADERNO de O GLOBO na COLUNA GENTE BOA de 13 de maio de 2009

Vão, assim, seus represetantes, contribuindo para destruir o que há de mais carioca na cidade.

O assíduo frequentador do BAR URCA, jóia encravada no aprazível bairro da zona sul da cidade, tem, diante dessa lamentável notícia, uma obrigação: jamais voltar a pedir pra ser servido na mureta pra não prejudicar o bar.

O lance agora é o seguinte: vai-se ao balcão, pede-se um cerveja, uma empadinha daquelas e... ... ... direto pra mureta!

Até.

13.5.09

A FEIRA DA VICENTE LICÍNIO

A feira da Vicente Licínio, meus poucos mas fiéis leitores, simpaticíssima rua que fica entre a Campos Sales e a Gonçalves Crespo (numa geometria que somente o tijucano entenderá), e que acontece aos domingos, é - confesso - e é há anos, minha cachaça. Aqui onde moro, no coração da Tijuca, a poucos metros da IGREJA DOS CAPUCHINHOS, onde fui batizado, a poucos metros do INSTITUTO LA-FAYETE, onde estudou papai, a oferta de feiras é farta. Há quatro, pelo menos. Uma na rua Aguiar, uma na Barão de Sertório, uma na Zamenhof e a da Vicente Licínio. A todas vou a pé, com exceção da de domingo, já que é quando compro a maior quantidade e as duas bolsas de palha, dessas que não existem mais, voltam cheias.

A feira da Vicente Licínio é um caso sério.

Como é séria a rotina cumprida de domingo a domingo.

Estaciono o carro diante do CENTRO CULTURAL DA CHINA e o deixo aos cuidados do velho malandro, preto retinto, muitas vezes caneado, que está sempre com o sorriso a postos para receber quem chega.

Aprendi com papai a fazer a feira. Corro o mercado de rua - e gosto a cada dia mais do mercado de rua - de ponta a ponta de olho nos preços, comprando tudo na volta. Na Campos Sales, é certo um pastel e um caldo de cana recheado com o sensacional molho à campanha que eles preparam. Em frente, o florista. Raras são as vezes que saio da feira sem uma flores, que a casa precisa ter sempre flores pra ficar à altura da flor que me embeleza os dias.

Em frente ao florista, compro as bananas.

Tomando a direção oposta, de onde parti, à esquerda fica meu peixeiro de fé, que aceita encomendas feitas na sexta-feira, pelo telefone (o troço é sério, como eu lhes disse). Um pouco antes do peixeiro, uma barraca-de-tudo. Foi onde achei as bolsas de palha que ele, o rapaz que a comanda, raramente leva pra vender.

O alho e o louro, compra obrigatória, são escolhidos num dos vendedores que expõem suas mercadorias em caixotes de madeira ao longo da feira. Não tenho o meu preferido, escolho pela qualidade do alho, e geralmente é o caboclo de bigodão quem tem a melhor mercadoria.

Logo depois do peixeiro, do lado direito, o fruteiro que tem de tudo: caquis imensos, mangas de tudo quanto é tipo, ameixas em mel, frutas dificílimas de encontrar, caro - é verdade - mas tudo vale a pena.

Um pouco mais à frente, à direita, os garotos que trabalham com a mãe e que vendem água de côco, geladíssima, na fruta ou nas garrafinhas. Geralmente bato dois côcos, que o depois-da-feira é que são elas...

Cebola eu compro na kombi à direita, um verdadeiro armazém de quatro rodas. Batatas também.

Adiante, também à direita, os ovos tamanho jumbo na kombi que vende um frango de granja de respeito. Um casal comanda a quitanda e o cabra é craque nos cortes feitos da maneira que você pedir, como é craque sua mulher na arte de embalar, numa velocidade impressionate, a dúzia de ovos de todos os domingos.

Ao lado, outra kombi. Vale a parada.

Em frente, à esquerda, os aipins mais macios do planeta vendidos por um coroa que vende apenas os aipins. E que assim seja para todo o sempre. São os melhores!

Logo depois, a gigantesca barraca de verduras onde deixo sempre um bom dinheiro: é a alface, a couve, o brócolis, a salsinha, os vidros de palmito CAPELISTA, os aspargos, os cogumelos frescos, e o Homero, homem que comanda com o coração o melhor japonês da cidade, o MITSUBA, não me deixa mentir.

Bem em frente, a barraca de uma tia que gentilmente, vez por outra, pica na hora a couve-manteiga pra alguma receita que me vem à mente (no dia da feijoada de meus 40 anos ela picou nada mais nada menos do que 60 molhos de couve!).

Um tanto mais adiante compro a melancia, sempre com uma generosa prova durante a escolha.

Tomo a direção do carro e do carro ao BAR DO CHICO.

O Chicão guarda os peixes na geladeira enquanto vejo o dia passar na gloriosa esquina da Pardal Malet com Afonso Pena.

A vida, meus caros, a vida vale muito a pena.

São - como diria o homem da barba amazônica - os domingos na Tijuca.

Não disse o nome de nenhum dos personagens dessa feira que é a melhor do bairro.

Descubram vocês mesmos, ao vivo, a cores, num desses domingos em que acordarem dispostos a conhecer, mais de perto, os segredos, os fascínios, os tesouros do bairro onde nasci e fui criado.

Pra que vocês tenham uma idéia do que é esse fascínio a que me refiro, ouçam bem o que disse dia desses Luiz Antonio Simas mexendo com o indicador o gelo de sua capivodka de maracujá preparada pelo Chicão:

- Decidi um troço!

Depois do gole dado de olhos fechados, a sentença:

- Não saio mais da Tijuca nos finais de semana. Pra nada! Pra nada!

Até.

12.5.09

O BUTECO EM COPENHAGEN

Recebi ontem, 11 de maio, o e-mail abaixo transcrito (fui devidamente autorizado a fazê-lo) de Vólia Santos Nielsen, brasileira que esbarrou com meu livro, MEU LAR É O BOTEQUIM, numa tarde chuvosa em Copacabana, durante um passeio em meio a uma visita ao Brasil, ela que mora na Dinamarca, em Copenhagen. Comprou o livro, veio parar no balcão virtual do BUTECO, passou a curtir o HISTÓRIAS DO BRASIL e o BOTEQUIM DO BRUNO, dos meus queridíssimos Luiz Antonio Simas e Bruno Ribeiro, e os demais indicados no menu aí à direita do monitor.

Uma tremenda surpresa.

"Alô Edu,

Num chuvoso dia do mês de dezembro passado, véspera de regressar ao meu exílio mais ou menos voluntário (leia-se residir fora do Brasil por força das circunstâncias), andando pela Rua Gomes Carneiro, deparo-me com um "sem livraria", ou seja, um vendedor de livros muito humilde e meio deficiente da fala. Sendo leitora compulsiva além de filha de comunista não poderia deixar de ajudar o livreiro da chuva, pensando encontrar os mesmos autores de sempre, eis que surge um título - pedindo licença à saudosa Aracy de Almeida - que não restava a menor dúvida: Meu lar é um botequim, by Eduardo Goldenberg. Foi muito gostoso conhecer Seu Osório, Waldomiro, Dedeco, Branco, etc. Mesmo sendo cria do Posto 6 apaixonei-me pelas personagens tijucanas. Desnecessário mencionar que fiquei freguesa do butecodoedu.blogspot.com e ainda tive o privilégio de conhecer Histórias do Brasil, Botequim do Bruno e os demais indicados no seu blog. Em tempo, mamãe, brizolista de carteirinha no momento freqüenta um curso de informática, assim que tornar-se perita, apresentarei os sites desses blogueiros (bloguistas?) maravilhosos! A propósito, você tem postado muito pouco, hein? Foi um prazer conhecê-lo ainda que virtualmente. Beijos virtuosos,

Vólia Santos Nielsen
Vólia = nome russo
Santos = atestado de brasilidade
Nielsen = sobrenome do marido viking"


Ergo daqui o copo cheio de chope com espessa espuma em homenagem à mãe da Vólia, "brizolista de carteirinha"!

Até.

11.5.09

QUANDO O FAVELA FALA...

... eu escuto.

Eduardo Goldenberg e Arthur Tirone, o Favela, no BAR SABIÁ, em São Paulo, 24 de janeiro de 2009, foto de Leo GolaDaqui, diante do balcão imaginário do BUTECO, ergo meu copo ao bardo da Barra Funda, o grande Favela, a quem sempre chamo de Salgueiro - minha favela preferida - e a quem reencontro, depois de amanhã, na minha cada vez mais-querida cidade de São Paulo.

Até.

8.5.09

PROVAS CABAIS

Em 07 de novembro de 2008, escrevi PALMEIRAS: UM FENÔMENO NO RIO, leiam aqui, texto que fez um tremendo sucesso gerando, até o presente momento, 48 comentários. Tratava do fênomeno, cuja causa ainda desconheço, que é a proliferação aguda de torcedores do Palmeiras na minha mui leal e amada cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Lá eu disse, a certa altura:

"Todos os dias - eu disse TODOS, com a ênfase szegeriana - eu esbarro com pelo menos uma pessoa envergando, orgulhosa, a camisa do Palmeiras. E eu disse "pelo menos uma" porque às vezes - estou sendo preciso do início ao fim - eu esbarro com duas, três, quatro, cinco camisas do Palmeiras, no mesmo dia, em horários e locais diferentes."

Em 12 de dezembro do mesmo ano, e sobre o mesmo tema, escrevi PROVAS CABAIS, leiam aqui.

Nove dias depois, em 21 de dezembro, escrevi PROVAS CABAIS, repetindo o nome e o mote, leiam aqui.

De lá pra cá, preciso confessar, as provas cabais não pararam de espocar diante de mim. Mas não é possível que eu fique, dia após dia, apenas para provar a meus poucos mas fiéis leitores que sou preciso do início ao fim - troço que prescinde desse tipo de coisa... - , fotografando desconhecidos na rua que torcem pelo Palmeiras, que estampam, na rua, às escâncaras, sua paixão palestrina.

Ocorre que hoje eu não resisti.

Antes, porém, quero dedicar a publicação de mais essa foto, mais essa prova cabal do que digo sobre a paixão palmeirense que se manifesta no Rio de Janeiro, a Fernando Szegeri, funcionário público e palmeirense, e a Julio Vellozo, comunista e corinthiano. Ao primeiro por razões evidentes: foi pra ele que bati o rádio quando dei de cara com o caboclo abaixo. E ao segundo porque ele é um que insiste em dizer que o time do povo é mesmo o Corinthians, que o homem simples, humilde, o autêntico representante do povo é corinthiano.

Eu sempre digo a ele que isso não corresponde à verdade, ao menos no Rio.

Os corinthianos aqui são banqueiros, investidores, quatrocentões fora de esquadro, o povo humilde do Rio de Janeiro que torce para algum clube paulista torce mesmo é para o Palmeiras.

(ouço daqui a voz de minha irmã me acusando de ser palmeirense e não rubro-negro)

Pois estava eu almoçando no Largo do Machado, sozinho, quando avistei um plaqueiro com a camisa do Palmeiras.

Bati o rádio pro homem da barba amazônica.

E ele deu a ordem:

- Fotografe! Fotografe!

Terminado o almoço, paga a conta, fui ao plaqueiro:

- Chefia, posso tirar uma foto tua com a camisa do Palmeiras pra mostrar pra uns amigos lá de São Paulo?

Ele, já tirando a placa do corpo, disse:

- Claro! Manda bala!

E eu:

- Não, não! Só afasta pra aparecer o escudo... eu disse que você era plaqueiro, eles precisam ver o anúncio...

Autorizado, fiz a foto.

torcedor do Palmeiras no Largo do Machado, Rio de Janeiro, 08 de maio de 2009

Mais uma prova cabal de que a precisão é minha companheira.

Até.

CENAS TIJUCANAS

Quando eu lhes contei aqui sobre o Felipinho Cereal de pijamas no maior pé-sujo da Haddock Lobo na noite de quarta-feira passada, muita gente - tenho certeza - duvidou.

Devidamente autorizado pelo pequeno grande homem, a prova irrefutável, como se necessária fosse, de que a precisão é minha companheira.

Ei-lo aí, na clássica pose de pelicano, a sola do pé direito calcada no lado interno do joelho esquerdo, cotovelo direito no balcão e copo americano de cerveja na mão esquerda, camiseta branca e pijamão-cueca da D´UOMO. Cena clássica. E salve a Tijuca e seus personagens!

Até.

6.5.09

CENAS TIJUCANAS

Flamengo e Fortaleza estão no intervalo do jogo no Castelão. Meu celular estrila e é uma mensagem do Felipinho Cereal, dizendo, entre outras coisas: "Estou cambaleando pela rua do Matoso".

Fico preocupado - por quê cambaleando?, eu me pergunto - e mando de volta: "Marrecão agora?". É a senha para que nos encontremos num dos mais sujos e comoventes butecos da Haddock Lobo, quase esquina com a rua do Matoso.

A mensagem chega quando já me aproximo do bar: "Em dez minutos.".

Eu estranho, afinal o cara estava cambaleando ali do lado...

Em dez minutos chega o caboclo.

De pijama.

Vou repetir: de pijama.

Derrubamos três garrafas de Brahma.

Eu e Felipinho Cereal, ele calçando havaianas na cor azul clara e vestindo pijama D´UOMO.

Tudo isso sob a benção do Papa João Paulo II, cuja fotografia, esmaecida, encontra-se no alto do buteco, atrás do balcão, abençoando o povo que ali se abraça sempre em missão de paz.

Até.

DECLARAÇÃO DE AMOR À TIJUCA

Tem uns troços que acontecem, relacionados ao blog, que fazem com que a gente, ainda que sem tempo, ainda que premido por compromissos que se avolumam, prossiga na intenção de gastar um tempo do dia dedicado a esse exercício que é o de sentar diante do monitor pra dizer o que sentimos, o que pensamos, o que queremos.

Recebi, no domingo passado, 03 de maio, um gentilíssimo e extenso e-mail de um leitor, Allan Caetano Ramos.

Graças à série RUA DO MATOSO, publicada aqui no BUTECO em dez capítulos (todos eles com links expostos no balcão imaginário aí à direita), o Allan (re)descobriu os encantos dessa rua que rasga a Tijuca, da Praça da Bandeira ao Rio Comprido.

Com vocês, devidamente autorizado, o comovente e comovido e-mail do Allan, a quem mando um abraço do tamanho do bairro mais bonito da cidade:

"Caro Eduardo,

Antes de mais nada, gostaria de parabenizar - e mais do que isso, de agradecer - pelo maravilhoso blog com os passeios desbravadores de nossa Tijuca. O pedacinho do bairro cravado entre a Afonso Pena e a Paulo de Frontin é um dos que mais me intrigam atualmente - possivelmente porque antes morava numa ponta e agora estou morando em outra - e este, por coincidência, é o "alvo" principal de seu blog.

Ontem tive a oportunidade de seguir por quase toda a extensão da Rua do Matoso (procurando cabo paralelo pra trocar a instalação de telefone do apartamento que os técnicos da OI insistem em ficar emendando toda vez que vêm aqui em casa) e, somente depois de voltar pra casa, encontrei, muito por acaso, seu blog. Me atraiu a série da Rua do Matoso - que sempre me chamou muita atenção pois tenho uma vaga ideia do quanto a história do bairro deve tributo à esse logradouro e, pra mim, foi comovente a leitura de sua narrativa. De fato quase cheguei a chorar ao ler a transcrição do atendimento telefônico que o seu José da Quitanda Abronhense dispensa aos seus clientes. Quando vim morar aqui na Paulo de Frontin, certa vez encontrei uma mercearia que entregava e domicílio e achei aquilo o máximo - mas nunca mais a encontrei, pois tinha a certeza de que eu a havia visto na Rua Barão de Ubá e lá passei atentamente por diversas vezes, imaginando que a quitanda havia fechado suas portas em algum daqueles sobrados... agora sei que ela fica é na Rua do Matoso.

A Ótica Dayse foi um achado no blog (meus pais sempre precisam de óculos novos e de atendentes que prezem mais os clientes que as vendas), bem como a Tinturaria Mascote (que eu também acabei encontrando pessoalmente ontem, bem ao lado da quitanda, antes de ler o blog). Semana que vem deixarei um terno meu pra ser lavado lá.

No calçadão da Rua do Matoso estranhei quando, ao avistar uma loja de ferragens e seguir em sua direção, de repente me vi debaixo de uma autêntica tela natural formada pela parreira que cresce sobre a calçada naquele ponto da rua. Ao perguntar se tinham fio de telefone, o rapaz me respondeu: "aqui não temos fio de telefone não, mas a loja do Duda (apontando para o início da rua) ainda tá aberta e ele tem fio de telefone lá" (de fato, tinha passado na loja dele mas o fio não era blindado como meu pai havia recomendado; como não encontrei o raio do fio de telefone blindado nem no C&C do Boulevard Maxwell - onde acabei terminando minha andança ontem - voltarei na loja do seu Duda durante a semana pra pegar o fio branco que ele me ofereceu).

As fotos do blog também são fantásticas - as dos bastidores inclusive. A sapataria que também me espantava por seu tamanho descomunal e seus armários enormes ("muito espaço pra pouco sapato", refletia comigo mesmo toda vez que passava ali em frente para levar meu computador pra manutenção, no segndo andar do número 16 da Rua do Matoso); o interior da Homeopatia Simões, que me fez ficar curioso em saber como uma das farmácias homeopáticas mais bonitas e preservadas da cidade parecia mais um pequeno segredo escondido atrás da Praça da Bandeira - levei alguns amigos para ver com seus próprios olhos o que eu havia encontrado; a da portaria do edifício Madrid, simples e elegante; da belíssima residência na esquina de uma das travessas que escondem um estilo de vida que vem se extinguindo pouco a pouco dentro da cidade...

Depois de ter passado pela enésima vez e de ter descoberto todas essas pequenas belezas numa tarde de sábado (inclusive uma tomada do Cristo Redentor de tirar o fôlego - acredito eu que pouco antes de chegar no Supermercado Mundial ou, talvez, já perto da Praça da Medalha Milagrosa), fiquei extremamente feliz por saber que não sou o único que consegue ver beleza naquele logradouro que tinha tudo pra ser feio, exceto pelas histórias e pelas pessoas que lá dedicam seus ofícios há muito tempo. Com certeza um lugar idílico.

Mais uma vez obrigado pelo blog.

Abraços,
Allan Caetano"


Até.

5.5.09

FELIZ ANIVERSÁRIO, BETH CARVALHO!!!!!

Faz anos hoje Elizabeth Santos Leal de Carvalho, e ergo daqui, de pé, diante do balcão imaginário do BUTECO, uma caldeireta com quatro dedos de espessa espuma, em sua homenagem!

Aqui no BUTECO a Beth sempre teve vez (vejam e leiam aqui) por razões muito simples: porque me é querida e porque é uma grande artista, uma artista fundamental, uma artista imprescindível na história do samba.

Dia desses o meu queridíssimo (e também imprescindível) Bruno Ribeiro escreveu um texto intitulado CLARA NUNES X BETH CARVALHO (leiam aqui) que eu achei, franca e sinceramente, como diria meu eterno e saudoso Leonel de Moura Brizola, uma tremenda bola fora. E mais que isso, uma tremenda injustiça com a Beth.

Faltou-me tempo e disposição para tascar lá meu comentário, mas o homem da barba amazônica, meu irmão Fernando Szegeri, disse tudo o que eu gostaria de ter dito.

Falta-me hoje, ainda, tempo para escrever o que eu gostaria sobre o texto do Bruno, de quem já tenho saudade olímpica (esteve no Rio, o malandro, para me dar um abraço pela passagem dos meus 40 anos). Mas não poderia deixar passar em branco o 05 de maio, quando completa mais um ano de vida essa brasileira fundamental chamada Beth Carvalho.

Até.