26.6.09

O ALUNO DA PUC

Encontrei-me, ontem à tarde, de passagem pelo Buraco do Lume, com o aluno da PUC, aquele de quem lhes contei aqui. Não fui eu que o vi, mas ele a mim. Com os dois braços fremindo no ar como um náufrago em meio ao mar bravio, lembrando um daqueles bonecos infláveis de posto de gasolina, o pontifício gritava meu nome como um apaixonado. Meu nome gritado pelo estudante misturava-se ao côro de duas vozes que, em ritmo de marcha militar, pedia "socialismo e liberdade!, socialismo e liberdade!, socialismo e liberdade!". Era um pré-comício do PSOL, que acontece de segunda a quinta-feira anunciando o sempre apoteótico comício (não é comício, acompanhem meu relato) de sexta-feira e que reúne, num dia de mobilização aguda, cinco, seis pessoas (nunca vi mais de três). Pedi ao pontifício que aguardasse e fixei olhos e ouvidos no homem que, megafone amarelo e vermelho em punho, anunciava a mudança de nome da praça, de Melvin Jones para Mário Lago ("um projeto do PSOL!", bradava furiosamente a besta de bermudas) e convocava o povo imaginário à sua volta para o debate político do dia seguinte. Pausa: tremenda baboseira mudar o nome da praça. Aquilo ali é e sempre será o Buraco do Lume, mas o PSOL, vocês sabem, tem projetos incríves para a cidade. O PSOL, vocês sabem, também inova permanentemente. E o PSOL não promove comícios, mas debates políticos. Fui até o homem do megafone. Quando seus olhos cruzaram com os meus, ele largou o instrumento e abriu um sorriso santo (tive certeza, naquele momento, que eu era o primeiro homem a lhe dirigir a atenção). Diante de mim, disse:

- Pois não, companheiro! - e bateu uma continência inapropriada.

- O debate de amanhã é sobre o quê, hein?

Ele colou um adesivo com um solzinho no meu peito, acintosamente. Arranquei o troço e ele se ofendeu:

- O que é que é isso, companheiro? Nosso debate político de amanhã será sobre a elitização e a concentração da cultura na cidade. Os membros do nosso quadro farão uma expo...

Deixei o homem com boné de crochê falando sozinho e fui ao aluno da PUC.

- Como vai? - disse eu, polidamente.

- Ótimo! Estou me preparando para o show da Banga! - e esfregou as mãos como se tivesse uma lâmpada do gênio entre elas.

- Banga?

- Bangalafumenga. Farão show no sábado na festa junina da PUC.

- Sei.

- E mais o DJ Sadam! DJ Sadam, Edu!

- Arrã.

Contrangido com minha anti-empolgação, mudou o rumo da prosa:

- Já te falei sobre minha paixão pelo samba e pela Lapa de outrora?

- Não.

- Eu idealizo uma Lapa, sabe, aquela da década de 50, 60!

- Sei.

Como eu era cada vez mais um desinteressado, ele virou o timão mais uma vez:

- E naquele dia, quando falei do jazz... Poxa... Não quis menosprezar o samba, sabe?

- Sei, sei, sei sim.

- É que o samba pra mim é um espaço democrático, um lugar de todos. Aquele momento em que a cadência das batidas e dos acordes superam os sentidos racionais e fazem com que nos deixemos levar...

- Hum... deixar levar. Sei.

Inventei uma consulta ao dentista e me despedi apressado.

Até.

4 comentários:

Blog do Ernestão disse...

Grande Edu !

Tô começando a achar que você é fã número 1 do PSOL ! Você tropeça nos comícios deles! Pacere aquele desenho da Família Adams em que o carro-castelo anda com uma nuvem trovejando em cima !!!!! kkkkkk !!!!!

Será que em cada maravilhoso buteco do Rio de Janeiro, tem na frente um evento do PSOL?

Abração do Ernestão

AOS QUARENTA A MIL disse...

Muito bom texto Edu, muito bom, ri muita coisa. A definição do samba foi a melhor!!!!
Abçs

FELIPE DRUMOND disse...

Boa estória Edu. Engraçada.

Unknown disse...

Ai, ai… nem sempre experimentamos das coisas uma vez só não é Edu, sendo bom ou ruim há replays (ou repetecos, se preferir) que se impõem... mas se for para render textos assim eu quero é mais!

Beijo,
Elis