12.6.09

O ANALISADO ÀS VÉSPERAS DA ALTA

Eu lhes contei, dia desses, sobre um amigo meu, já morto, quando escrevi O ANALISADO, leiam aqui. Paciente do dr. Santarém, meu amigo sofreu os diabos nas mãos do bacana. Não foram poucas vezes em que, chegando ao bar, meu amigo respirando como um fole, ofegante, pedia um chope que sorvia num átimo para dizer depois, lambendo os beiços:

- Não é fácil esse doutor Santarém!

A mesa, composta por sacanas da mais alta estirpe, forjava a dúvida acachapante e perguntava em uníssono:

- O que foi dessa vez!?

E ele respondia sempre a mesma coisa:

- Não admitiu que eu tivesse alta em hipótese alguma.

Eu não sei se vocês conhecem algum diabético, e já explico o por quê da menção ao diabético. O diabético precisa ter, vocês sabem, permanentemente por perto, a bolsinha com gelo e as ampolas de insulina para a espetada vital. Pois se é verdade que o analisado e a analisada precisam agudamente do contato constante com o bacana do analista é também verdade que o analista precisa, por razões econômicas e de poder, do paciente dependente. Ambos são, um para o outro, a insulina do diabético. Vejam se não.

Meu saudoso amigo dizia no final da sessão, assinando o cheque:

- Então, doutor Santarém, acho que estou vindo hoje pela última vez...

E o bacana, mudo há sessenta minutos, saltava da poltrona de couro, estacava como um poste diante do paciente e dizia, gravíssimo:

- Nem pensar, meu caro, nem brinca com isso!

- Mas...

- Não tem mas, meu caro. Olha o suicídio! Olha a recaída! Olha a estabilidade emocional!

E ameaçava tanto meu pobre e frágil amigo que de lá ele saía com mais uma boa dúzia de sessões marcadas (marcadas também pelo mais desértico silêncio do analista).

Há, também, o caso de um leitor que me escreve pedindo anonimato. Trocamos - o quê?! - meia-dúzia de e-mails até que eu me inteirasse de seu caso (que me pareceu tão grave quanto comum).

Seu psicanalista tem consultório na Praia de Botafogo, o que, segundo o leitor, torna as sessões agradáveis do ponto de visto estético-visual. No que diz respeito ao tratamento, a mesma mudez tantas vezes apontada. Contou-me ele que há coisa de cinco anos (eu disse cinco anos!!!!!), sentindo-se bem e bastante mais seguro, chegou ao consultório do psicanalista na hora marcada. Como um rajá, postado e econômico nos gestos, o bacana apontou o divã com vista para o Pão de Açucar. Deu-se o monólogo:

- Não, doutor Vasconcelos, hoje não. Hoje não e nunca mais. Dei-me alta!

O bacana não moveu um músculo, não piscou um olho. Continuou apontando para a confortável poltrona (a bem da verdade não era um divã). Sentou-se, tomou do bloquinho de notas, empunhou a Mont Blanc, pôs a mão no queixo, fechou os olhos e esperou, pacientemente, o desfilar das histórias do paciente (meu leitor, não percam o fio).

Passados sessenta minutos o psicanalista apertou o interruptor perto de sua cadeira e chamou a secretária. Cochichou algo em seu ouvido.

O paciente ensaiou despedir-se do médico da alma mas este manteve-se de pé, como um rajá, apontando a portinha que dava para a recpeção.

Lá, disse a secretária:

- Ele me disse que seu caso é gravíssimo. Que o senhor piora a olhos vistos... Mais doze sessões, doze sessões, no mínimo!

- Mas...

A porta abriu-se como em mágica. O poseur fuzilou o paciente com os olhos. Da crista dos cabelos ao cadarço dos sapatos. E bateu a porta, com fúria.

Isso ocorre a cada doze sessões há cinco anos.

Disse-me mais, o pobre-diabo, que não sabe como é a voz do seu bacana-portátil. Um troço, convenhamos, impressionante.

Mas nada mais impressionante, também, que a soberba do analisado que nem pensa em alta. Pior, que tem pânico diante da iminência da alta.

Conheço o caso de um camarada que, depois de vinte anos consecutivos de sessões com o psicanalista (três por semana, o caso era batata quente), teve alta.

Caiu em depressão profunda. Chorou de ganir no consultório do bacana. Prometeu pagar o dobro por seus monólogos. E o bacana nada:

- Você está de alta, meu rapaz! Altíssima!

Ameaçou se lançar do décimo-quinto andar do prédio em Ipanema. Prometeu pagar o triplo.

- O triplo?

- O triplo, preciso do senhor como o diabético precisa da injeçãozinha de insulina!

- Seguimos, então, seguimos!

Era a primeira vez que ouvia a voz do doutor em vinte anos. E a última, desde que seguiram (até hoje) com o tratamento.

Até.

3 comentários:

caíque disse...

Fala, Edu! Quem é vivo sempre aparece... Eu li aqui o seu texto e não posso deixar de comentar. Existem psicanalistas e psicanaleiros (como advogados e advgadeiros, arquitetos e arquiteteiros, né não?). Eu fiz análise durante quatro anos com uma excelente profissional, que me deu alta (e eu concordei no ato. não tnha mais o que esmiuçar). De tudo certo, conversávamos muito e foi muito legal. Acho também que esses picaretas tinham mais é que tomar uma porrada da entidade de classe, não acha?
Saudações rubronegras direytamente daqui da república dos estaos unidos de niterói. Abração, véio!

MariEdy disse...

Meu caro senhor,
por meu lado, foram DEZOITO ANOS de conversas, a princípio muito boas, mas, nos últimos três anos (eu me dei alta em 2007), foram as conversas mais ... não tenho adjetivo próprio para classificar. A mulher, falando do seu partido (não vou dizer qual é), entrava em crises profundas de histeria quando da aproximação de eleições.
Chegou um momento em que eu ficava sentada na poltrona, pronta para correr. Ela falava, falava, falava e eu pagando, pagando, pagando ... Resolvi colocar meu sagrado dindim em melhor uso.
Psicólogos, terapeutas, psicanalistas, psiquiatras: INTERNEM-SE!!

Andrea disse...

Oi Edu. Eu tinha escrito um comentário enoorme contando sobre minha experiencia como analisada. Mas acabou a luz e perdi tudo.

Eu nunca levei a sério analise, fui morrendo de medo sem saber o que ia falar. Achava que ia ser expulsa, que ia ouvir "volta pra casa minha filha, não tem nada pra ti aqui.". Me enganei. Ela falou "é... realmente você tem problemas". Morri. Voltei pra casa arrasada. "Nossa...eu tenho problemas sérios.". Passei a ir toda semana. Morri de novo. Asssinar o cheque me dava taquicardia.

Depois de 2 meses comecei a me acostumar. Fiquei sabendo que o marido também era analista e que quando se conheceram ele era casado. Que ela foi atrás e conseguiu etc e tal. Safada (eu pensava... ah pensava mesmo..).

Lá pelo 3o. mês ela chegou e "olha só... acho que você nao tem mais nada pra fazer aqui. Seria antiético da minha parte continuar com você. Não tens nada. No inicio realmente... você precisava conversar um pouco etc e tal...". Morri de novo 2. "Mas como?". "É.. isso é só uma questão de tempo...". Ah..

Contei pra todo mundo "eu tive alta!". hum.... "Como?... assim? mas já?". "É. Ela falou que eu não tenho nada. Tô boa.". "Hum.... muito estranha essa mulher... não é uma profissional séria!!".

Isso é vero. Aconteceu de fato. Cheguei a conclusão que sou normal. Só precisava de uma mãozinha pra acreditar. Beijos.