15.6.09

A REDE

Há o caso de um cara que é impressionante. Estudante da PUC (bolsista), freqüentava mais o Pilotis do que o Cardeal Leme, se é que me entendem. Assistia, embevecido, o desfile diário das bolsas Louis Vuitton rodando nos braços das estudantes-estagiárias, os ternos bem cortados dos estudantes de primeiro período ainda sem perspectiva de trabalho (tudo é pose na PUC), as chaves dos carros importados exibidas sem pudor, e tinha olhos de ver e ouvidos de ouvir dispostos a uma catapultada social (morava em Brás de Pina, a mãe era empregada doméstica e o pai motorista particular de um padre da Pontifícia Universidade Católica).

As conversas ao pés das pilastras do Pilotis giravam em torno da night (fala-se inglês em profusão no campus da Gávea), da qualidade da maconha consumida na véspera, sobre as vantagens incomensuráveis da terapia. Lacan, Freud, Fritz Perls, os nomes escorriam até a Marquês de São Vicente e inundavam as mesas do BAR DO PIRES, uma espécie de bunker pós-aula do alunado. O cara sempre atrás das lufadas intelectuais do ambiente.

Pôs na cabeça: tenho que fazer terapia! Não posso ficar atrás!

Vai daí que começou a recolher os cartões dos profissionais da alma espalhados pelo campus.

Ele tinha uma limitação bastante evidente que era o orçamento. Estagiava, recebia um salário mínimo por mês, uma mesada modesta do esforçadíssimo pai e uma poupança razoável na CEF, fruto de uma pequena herança que lhe fora deixada pela avó materna.

Mas sonhava com o divã. Sonhava em poder aproximar-se, um dia, daquelas rodinhas no Pilotis e dizer:

- Puxa vida, que terapeuta o meu! Que terapeuta!

Foi a um, a dois, a três, foi a - o quê?! - uns dez consultórios para a primeira conversa. Negociou preço com todos e foi muito com a cara do dr. Fúlvio que mantinha confortável consultório no Humaitá e mostrara-se disposto (o único) a trabalhar dentro das possibilidades do menino.

Um senão agoniava o pobre-diabo: o consultório do dr. Fúlvio não tinha um único e mísero divã, mas uma rede.

E lá foi o analisado para a primeira sessão.

- Deito-me na rede, doutor?

- Deite-se. Sente-se. Como você se sentir melhor.

Deitou-se.

Uma, duas, três, quatro sessões, e só na quinta sessão o paciente pediu:

- Doutor?

Silêncio seguido de um olhar greco-romano.

- Me balança, por favor.

E bacana, com o pé, empurrou a rede. E embalou o paciente.

Pra quê?

A rede balançava, o paciente chorava agudamente, agudamente, até que explodiu em posição fetal:

- Isso me lembra o embalo de vovó!

Deu-se, naquele momento, o big-bang emocional que prendeu, parece que para sempre, o paciente ao seu bacana-portátil.

Dali pra frente o doutor passou a fazer o que parecia impossível, passou a ganhar os tubos, rios de dinheiro!, apenas para balançar a rede do pobre-diabo, que chorava, gania, uivava, tremia embalado pelos sapatos de cromo alemão do terapeuta.

Amanhã lhes conto sobre a terapeuta que, na mesma linha do colega a que me referi hoje, ganhava uma baba para dormir - sim, dormir! - solenemente durante as lamúrias de sua paciente.

Até.

3 comentários:

Rodrigo disse...

A onda dos bacanas é psicólogo. Gastam um rio de dinheiro, em prol da felicidade embalada. Compram em cartelas feito aspirinas. Tome duas por dia e assim será feliz com você mesmo. A felicidade está em ser um ser melhor, humano, sensível. Buscar dentro de você o que acredita, e não que fazem você acreditar. É bater um papo com os mais velhos, e buscar neles a sabedoria. Isso sim, vale a pena.

André disse...

Ô Eduardo,
Em mais uma visita a esse buteco, vi que o papo que rola é sobre analisados e análise ou terapia. Vou te falar uma coisa: hoje em dia isso é considerado pseudociência da pior qualidade. É pura mitologia e se numa mesa de bar você disser isso, haverá reações piores do que você atacar qualquer religião! Uma dica: procure ler o que o Frederick Crews já publicou sobre isso. Em português há o "As Guerras da Memória- O Legado de Freud em Xeque", infelizmente o único publicado por aqui. Em inglês tem muita coisa (mais que nos pilotis da PUC!), com análises sérias e bem embasadas sobre como é vazia a epistemologia psicanalítica.
Um abraço.

Bezerra disse...

Estão divertidíssimos esses textos sobre analistas.