28.10.10

AINDA SOBRE O CASO FOLHA DE SÃO PAULO

Escrevi ontem o texto FOLHA DE SÃO PAULO X SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR, que pode ser lido aqui. O referido texto traz todos os detalhes sobre a Ação Cautelar distribuída no último dia 25, no Supremo Tribunal Federal, pela empresa controladora do jornalão paulista visando obter acesso irrestrito aos autos da Ação Penal, datada de 1970, envolvendo a candidata do PT à Presidência da República, Dilma Rousseff, cujos autos encontram-se no arquivo do Superior Tribunal Militar. O referido texto foi constantemente atualizado no dia de ontem e o será, ainda, no dia de hoje - e até apreciação do pedido pela Ministra Carmen Lúcia, a quem coube, por sorteio, a relatoria do processo - com todos os andamentos da ação. Ação que tramita, em razão de sua natureza, com intensa celeridade, e explico. O jornalão pretende obter cópias da referida Ação Penal por entender que é de extrema relevância para a sociedade brasileira conhecer o que ele chama de "passado" da aspirante ao mais alto cargo do País. Calcando-se no seu pretenso papel de informar, a FOLHA - que todos sabemos como conduz sua pauta parcial e golpista - requer extrema urgência na apreciação de seu pedido tendo em vista a proximidade do dia do segundo turno das eleições. A mesma FOLHA que, sabemos também, serviu como uma sabuja à ditadura militar no Brasil - que mais tarde chamou de "ditabranda" - fazendo verdadeiro papel de tirubulária das forças da opressão.

Quero, pois, no dia de hoje, esclarecer alguns pontos sobre este imbróglio para quem me lê. E faço isso respondendo, publicamente, a um sujeito que freqüenta assiduamente o balcão deste BUTECO. Freqüenta assiduamente e deixa comentários com a mesma assiduidade - jamais publicados por mim. Por que?, perguntarão vocês. Porque não são comentários. São provocações, pura e simplesmente. André é o suposto nome do cidadão, e digo "suposto nome" porque não me é possível identificá-lo através do perfil a ele atrelado, cuja identificação dá-se, apenas, pela bandeira do estado de São Paulo. Mas vamos em frente. Deixou o seguinte comentário, ontem, justamente no texto a que me referi acima:

"Edu, me explica uma coisa: o que tem demais a Folha ou qualquer outro jornal ter acesso a esta AP? Não entendo porque você classifica de canalhice... Um cara que defende a publicidade dos atos, como o fez no caso de nomeações feita por Serra em outro post, reclamar que alguém está indo atrás de uma Ação Penal que, diga-se de passagem, nunca tramitou em segredo de justiça. Meio esquizofrênico isso, não? Ou seja, tudo que é a favor de sua candidata pode... O que for contra não pode? Você mesmo relata que gosta de fuçar, de ir atrás de informações, etc... Meio infanto-juvenil este seu posicionamento. Espero que poste meu comentário e não o delete como de fato já o fez outras vezes. Abraço, André"

Com base nesta nova provocação - eivada de tantos equívocos... - vou tratar do assunto e peço a vocês, que me lêem, paciência para o acompanhamento de meu raciocínio.

Vou por partes.

01) não há nada demais no fato da FOLHA querer ter acesso à Ação Penal que envolve Dilma Rousseff, não fossem diversos aspectos nada escamoteados por trás desse súbito interesse do jornalão. É sabido e consabido que a FOLHA presta-se, com raríssimas exceções que servem apenas para criar uma falsa impressão de imparcialidade, à candidatura de José Serra à Presidência da República. Eu poderia, digressionando, me perguntar por que a FOLHA não se interessou, por exemplo, até o momento, em correr atrás, com a mesma sanha jornalística, do diploma do candidato tucano (que, todos sabemos, não existe). E poderia perder tempo em busca de outros exemplos, mas prefiro me ater a este caso específico. E quero lhes dizer uma coisa: eu tenho cópia completa de uma Ação Penal, similar, que envolve uma querida amiga minha que travou a mesma luta que travou Dilma Rousseff. É, creiam em mim, uma das coisas mais impactantes a que já tive acesso. Nada que incrimine a acusada, diga-se, até porque a luta de quem lutou contra a ditadura apenas dignifica sua história de vida. Mas o calhamaço é um circo de horrores: fotografias antes e após as sessões de tortura (minha amiga ficou anos presa no Presídio Talavera Bruce, onde foi intensamente torturada), relatos feitos por verdadeiros animais valendo-se de expressões impublicáveis e outros bichos. A questão é: o que pretende fazer a FOLHA com esse material (e faço tal questionamento mesmo sem conhecer o teor dos autos da Ação Penal de 1970 contra Dilma Rousseff)? Todos sabemos que Dilma Rousseff participou de grupos clandestinos que lutaram contra a ditadura. Todos sabemos que foi presa e barbaramente torturada. Isso, repito, apenas dignifica a mulher que hoje, 40 anos depois, está a um passo de assumir a Presidência da República. Ela, vítima da opressão que sufocou o Brasil por aproximadamente 25 anos, é tratada, pela imprensa golpista, como "guerrilheira", "terrorista" e por aí. Tenho muito medo, sim, do que pode fazer a FOLHA com esses documentos todos em suas mãos. Até porque - e isso é apenas outro problema que agrava a situação - a Ação Penal, embora centrada na figura de Dilma Rousseff, a acusada diretamente nos autos em questão, envolve diversas outras pessoas que poderiam ter suas vidas expostas para saciar a tétrica sanha do jornalão paulista: torturados e torturadores, e 40 anos depois você estaria expondo não apenas os citados na Ação Penal, mas filhos, netos, parentes de todos os envolvidos. Um risco que, franca e sinceramente, não pode ser corrido. Uma coisa é a abertura dos arquivos a título de estudo histórico. Outra, completamente diferente, é fazê-lo para alimentar uma imprensa nojenta e sem escrúpulo visando uma distorção maléfica para o País;

02) defendo, é verdade, a mais absoluta transparência quando a transparência é possível, como diz o cidadão no comentário. É verdade, também, que a Ação Penal não correu em segredo de justiça? Evidentemente que não, e explico. Ninguém precisa ser formado em Direito para saber o que era uma Ação Penal dessa natureza no curso do regime ditatorial brasileiro: a Ação Penal em tela deu-se por infração à Lei de Segurança Nacional (LSN), monstrengo criado pelos Atos Institucionais decretados pelo regime militar. Embora houvesse um código a ser seguido para o trâmite de ações desta natureza, o que havia naquele período - e o livro BRASIL NUNCA MAIS é indispensável para quem queira conhecer a fundo o tema - era a "Subversão do Direito", nome, inclusive, de um dos capítulos do livro publicado pela editora VOZES. Não havia efetivamente direito de defesa, não havia respeito ao devido processo legal, não havia, enfim, justiça. Atentem para trecho elucidativo do referido livro: "A parcialidade da Justiça Militar pode ser demonstrada, pela sua falta de independência, desde a escolha dos oficiais para compor os Conselhos, até as limitações impostas a juízes auditores e promotores - tudo no sentido de que a Justiça Militar funcionasse como extensão do aparelho de repressão policial militar. Por outro lado, os advogados dos presos políticos eram constantemente coagidos, no exercício de sua profissão, chegando a serem presos e até mesmo processados e condenados. Em outras palavras, a isenção, a independência e a soberania, que são atributos do Poder Judiciário, não se estendiam às Auditorias Militares nos processos políticos.";

03) quanto à "esquizofrenia", nada a declarar. Nem com relação ao comportamento "meio infanto-juvenil";

04) por fim, quero dizer a quem me lê, e ao signatário do infeliz comentário, que o passado de Dilma Rousseff não atenta contra sua biografia. Ao contrário, a engrandece. Não tenho antolhos capazes de me impedir de ver o defeito de quem quer que seja. Não tenho antolhos capazes de me impedir de ver a qualidade de quem quer que seja. Ocorre que, às vésperas da eleição, e diante de duas candidaturas diametralmente opostas, a avaliação que faço (e que fiz) para a escolha de meu voto, passa bem longe do que chama, José Serra, de "biografia". Ainda que fosse, a biografia dos candidatos, o único norte a guiar minha opção, não teria dúvida alguma de que Dilma Rousseff seria, também, minha escolhida. Mas volto a dizer: o problema maior está no uso que fará o jornalão paulista e no fim que dará ao material que, eventualmente, terá em mãos. Razão pela qual penso que, e o digo com modéstia, a decisão que a Ministra Carmen Lúcia tomará, possivelmente no dia de hoje, deverá ser pautada pelo viés político, mais que o jurídico. Ainda que pelo jurídico - e eu não seria capaz de tornar tão modorrenta a leitura deste texto a esse ponto - não acredito que a liminar possa ser concedida.

Agora é esperar.

Estarei, como estive ontem, de olho o dia inteiro.

Acompanhem por aqui ou pelo twitter, @butecodoedu.

Até.  

7 comentários:

Carlos Andreazza disse...

Edu, você insiste em politizar o Supremo. Considero isto um equívoco, se me permite. A decisão da ministra Carmen Lúcia é - será sempre - jurídica; e é bom que assim seja. A Constituição Federal não se presta a entendimentos de ocasião e não pode ser interpretada à luz de questões eleitorais.

Dito isto - mas sempre por meio de argumentos constitucionais -, espero, como você, que a liminar não seja concedida. Não é tempo para casuísmos.

********

Sobre o passado da candidata Dilma Rousseff, não resta dúvida de que lutou contra a ditadura militar brasileira; tampouco questiono que tenha sido presa e barbaramente torturada.

Porém, é preciso lembrar que a luta dela - e o simples estudo dos documentos da VAR-Palmares deixa isso muito claro, por exemplo - nunca foi pela democracia, palavra que não aparece em nenhum dos escritos do grupo, mas em prol de uma ditadura do proletariado, igualmente terrível e assassina, como mostra a história.

Forte abraço e obrigado.

Eduardo Goldenberg disse...

Andreazza: em primeiro lugar não é preciso agradecer. Você sempre o faz mas insisto que é desnecessário fazê-lo. Temos posições diametralmente opostas no campo político mas isso nunca foi razão suficiente para lhe negar o espaço aqui nesse balcão. Vamos lá.

Não insisto "em politizar o Supremo".

Ele é, sim, guardião da Constituição e a Constiuição é, não à toa, chamada também de Carta Política. É absolutamente impossível enxergá-la e observá-la sem esse viés.

Outra coisa: não me vali de "questões eleitorais", mas políticas. Você bem sabem o quanto são diferentes.

Quanto ao resto, parece-me - me permita - piada. Ou você realmente acredita que teremos aí pela frente a "ditadura do proletariado"?

Um abraço.

Carlos Andreazza disse...

Edu,

A Carta é Política; não eleitoral. É política, no sentido amplo da palavra; mas sua interpretação deve ser estritamente jurídica, justamente para que a tal "voz das ruas" - tanto mais em tempos eleitorais - não atropele a segurança jurídica e outros direitos fundamentais.

Peço, por fim, que me leia com atenção. Não disse - jamais - que, eleita Dilma, teríamos uma "ditadura". Não acredito nisso; não escrevi isso.

Disse - e repito - que, lá atrás, nos anos 70, Dilma Rousseff lutou, sim, contra a ditadura militar brasileira, mas não em prol da democracia, bem antes pelo estabelecimento de outra ditadura, de esquerda, tão terrível, desprezível e assassina quanto.

Abraço!

Eduardo Goldenberg disse...

Pois é... como discordamos frontalmente... não creio que vamos chegar a lugar algum. Não entendo o Direito dissociado de seu papel social e nem acho que seja possível não ouvir o clamor popular, sempre, é claro, não ferindo os princípios fundamentais. E lá atrás, Andreazza, para que fique claro, se vivo eu fosse não teria dúvida alguma sobre o lado do qual eu estaria (e possivelmente de forma mais intensa do que Dilma Rousseff, que ao que tudo indica agia cerebralmente..., apenas). Contra a força bruta dos gorilas, só outra força - ainda que embalado pela utopia que os jovens nutriam. Era isso. Um abraço.

Carlos Andreazza disse...

A luta - inclusive a cerebral - podia ser embalada pela utopia da juventude, Edu, mas com meios e objetivos que, afinal, não se afastavam muito dos dos gorilas.

Felizmente, não há tirania no mundo - nunca houve - que obrigue as pessoas a uma oposição igualmente tirana. Uma ditadura, por terrível que seja, jamais nos obrigará [nunca nos empurrará] a combatê-la da mesma forma, com a mesma moeda, com as mesmas armas. Felizmente.

Abraço, Edu! (E obrigado).

Blog do Pian disse...

Adoro quando vocês dois conversam>

R.Pian

Jose Garcia disse...

Avaliar a história com a lente de hoje é sempre complicado. Naquela época, lutar por uma "ditadura do proletariado" era uma das opções, evidentemente tão anti-democrática quanto a ditadura militar. Mas isto não quer dizer que a pessoa continue querendo uma ditadura agora. Se fosse assim, vários políticos que defenderam a ditadura (e se refestelaram nela) não deveriam ser elegíveis agora. Além disso, defender a ditadura do proletariado não foi exclusividade de Dilma. Só para ficar em um exemplo, Aloysio Nunes (senador eleito pelo PSDB) foi da ALN, de Marighela, e além de planejar assaltos, participou de um diretamente, o assalto a um trem pagador. E não me consta que agora ele seja anti-democrático e/ou terrorista. O tempo passa e as circunstâncias e as pessoas mudam. Ou esta regra só vale para a Presidência e se o(a) candidato(a) for mulher, do PT e o nome começar com D?