22.11.10

RAILÍDIA CARVALHO, UMA PEQUENA HOMENAGEM

Estive de novo, uma vez mais, em São Paulo no final da semana passada. Graças à ação conjunta de amigos que me presentearam com as passagens de ida e de volta - e eles sabem de minha gratidão por conta disso, citá-los tornaria a leitura modorrenta -, cheguei em São Paulo às 14h15min de sexta-feira e de lá voltei apenas no final do dia de ontem, depois de um almoço de antologia no fabuloso SINHÁ, do Julinho Bernardo.

Tudo foi incrivelmente perfeito e a enxurrada de emoções tornou a viagem simplesmente inesquecível. Fortaleço meus laços com São Paulo - a banda boa de São Paulo! - cada vez mais, onde tenho amigos incríveis e uma família, literalmente uma família cujo nascedouro é o homem da barba amazônica, meu irmão de fé, Fernando Szegeri. Foi ele, brasileiro máximo, que me apresentou a São Paulo que aprendi a amar. Foi ele que me apresentou pessoas incríveis, imprescindíveis para mim, foi ele que gerou três filhos lindos com duas mulheres lindas, ambas minhas comadres, eu que sou padrinho de duas de suas filhas. Mas o que quero lhes dizer hoje, em forma de homenagem, envolve minha comadre Railídia Carvalho, e me permitam um novo intróito.

A Rai, como é carinhosamente chamada, é paraense e adotou São Paulo quando casou-se com o Fernando, lá se vão muitos anos. Um dia, corria o ano de de 2004, estava eu com o Fernando numa memorável roda de samba em Botafogo, aos pés do Pão de Açúcar e às margens da Baía de Guanabara. Quatro da manhã e ele me chama às falas. Comovido como o diabo, deu-me, naquela noite, sua filha Iara, filha também da Rai, como afilhada (o relato do troço está aqui).

De lá pra cá estreitaram-se meus laços com a Railídia, e é sobre ela - daqui pra frente - que quero falar.

A Rai é uma mulher amazônica, brasileira do mais alto fio de cabelo à sola dos pés ainda molhados pelas águas dos rios e igarapés que ajudaram a moldar sua alma sensível e gigantesca. Pois no sábado, meus poucos mas fiéis leitores, estava eu fumando meu cigarro do lado de fora do Ó DO BOROGODÓ quando minha comadre desceu do carro e aproximou-se de mim, majestosa e iluminada.

Estava pra começar a roda de samba dos Inimigos do Batente. Linda, vestida de flores e com uma flor vermelha nos cabelos, deu-me um abraço que foi a senha para o que estava por vir. A Rai estava - e o troço dá-se a cada sábado, mais forte nesse dia em que a roda louvava o Dia da Consciência Negra - possuída.

Cantou descalça, pôs a foto de seus ancestrais na mesa - seu avô João Valente presente! -, cantou e encantou como uma encantada, chamou quem devia com a autoridade que só quem detêm poder pode chamar, cantou sorrindo, cantou chorando, e derramou sobre nós um axé que só quem esteve lá sentiu.

Na manhã de domingo, de papo com uns amigos, veio à tona o assunto: a imprensa brasileira, meia-boca que só ela, vira-e-mexe adula umas cantoras dessalgadas que são, nas manchetes produzidas pelo jabá e pelos releases, "novas deusas da Lapa", "reivenções das raízes do samba", "repaginações das tradições" e outras besteiras do gênero. Há muito que eu não vejo uma cantora com a carga que a Railídia carrega dentro dela.

Há muito que eu não vejo uma cantora com o domínio de repertório que a Railídia tem. É samba, é coco, é toada, é congada, é partido-alto, é chula, é ponto de macumba, é maracatu, ijexá, afoxé, batuque, caxambu, bumba-meu-boi, forró, xaxado e xote, maculelê, carimbó, é Brasil em sua máxima expressão.

Eu tenho um orgulho danado, desmedido, de ser amigo dessa mulher. De ser compadre dessa mulher. De tê-la no coração e de me saber guardado ali, naquele coração imenso e denso como as florestas do seu Pará.



Até.

3 comentários:

Unknown disse...

Afe, que texto lindo. E lindamente verdadeiro.

Unknown disse...

A Railídia é mesmo um fenômeno, precisa se tornar conhecida, aplaudida e reverenciada para o bem da música brasileira. Apesar do aperto, foi um sábado inspirado, como sempre.

Szegeri disse...

Cada vez mais pessoas lúcidas e sensíveis para reafirmar o que eu fui o primeiro a dizer, e sigo dizendo em todos esses anos: Railídia é uma grande cantora! Uma grande artista, sobretudo! E uma grande brasileira!
Não vive nem nunca viverá da mídia servil, mípoe, anti-popular e anti-brasileira. Não precisa dos descolados e dos baba-ovos, com suas panelinhas onanistas.
Precisa, tão somente, do seu povo e de suas coisas. Do povo do Brasil.