15.4.11

VAI COMEÇAR O FESTIVAL JABALÂNDIA

A expressão "jabalândia" foi criada por meu chapa, Julio Bernardo, que mantém um blog, bastante polêmico, sobre gastronomia - aqui. E eu a uso sempre que me refiro ao festival Comida di Buteco, para o qual enviei carta aberta em maio de 2010 (leiam aqui), jamais respondida, diga-se, muito embora uma das sócias do empreendimento, Maria Eulália Araújo, tenha me batido o telefone, no ano passado, como já lhes contei:

"Foi simpática e incisiva durante o telefonema. Disse-me, entre outras coisas, que eu havia sido injusto quando escrevi o que escrevi ontem, aqui; que eu, como jornalista (foi o que ela disse, depois corrigi o equívoco), deveria apurar tudo sobre o festival para depois escrever sobre ele; que é uma luta colocar o "festival na rua"; que as críticas que fiz, noutras oportunidades, deveriam ser relevadas, eis que as indicações dos bares participantes das últimas edições, aqui no Rio, haviam sido feitas por "especialistas no assunto", como Guilherme Studart e Moacyr Luz (por isso lembrei-me do tal projeto, citado no início); que minha crítica à inclusão de bares com redes de franquia ou com filiais não era de todo correta, pois no ano passado apenas duas casas (Academia da Cachaça e Siri) se enquadravam nessa condição. E convidou-me para uma conversa na semana que vem; e, por fim (houve mais, mas estou aqui fazendo apertada síntese), que eu desonrava minha participação no júri do ano passado esculhambando o festival."

Bom, vamos aos fatos e ao que quero lhes contar hoje.

Justiça seja feita (sou, além de preciso do início ao fim, justíssimo): os organizadores do festival (que tem entre seus patrocininadores a maionese Hellmann´s, a Nestlé e o biscoito Doritos que, como se sabe, são ingredientes fundamentais a qualquer comida de botequim..., além das cervejas Bohemia, Itaipava e Kaiser, a TV Globo e a Band, O Boticário e a cachaça Ypióca) não inscreveram nenhum bar com filial (uma crítica minha ferrenha, desde a primeira edição), ao menos no Rio de Janeiro. Não sei quanto às outras cidades (são 15 cidades participando do troço) - se você que me lê puder me ajudar quanto a isso, agradeço.

O festival começa hoje, 15 de abril, e vai até o dia 15 de maio, o que significa dizer que no dia de meu aniversário, 27 de abril, como se já não bastasse dividir a data com o inacreditável Dia Municipal do Teatro de Bonecos, iniciativa do vereador Eliomar Coelho (como lhes contei aqui), a cidade estará, ainda, conspurcada por esse pernicioso festival.

Se você me considera um radical, um incapaz de tecer qualquer crítica sem o coração à frente, leia - recomendo com entusiasmo! - o que escreveu, sobre o Comida di Buteco, Luiz Antonio Simas, Historiador maiúsculo, professor as 24h do dia, um de meus mestres, aqui. Fala, Simas:

"O que esse Comida di Buteco propõe, infelizmente, se inscreve numa inversão perigosa: é um exemplo bem acabado - e assustadoramente corriqueiro - de submissão da cultura à economia. Explico.

A ideia do festival me parece ser a de transformar o que seria cultura de botequim em um bom negócio para todos. Tento acreditar, sinceramente, nas boas intenções do babado e é possível que os envolvidos no evento achem de fato que estão valorizando o boteco. Sinto dizer que não estão.

O problema é que ao invés de entender a economia como parte constitutiva da cultura - esse poderoso campo que engloba nossos atos e nos define como homens humanos - essa perspectiva inverte tudo e transforma a cultura em parte constitutiva da economia - esse campo que, quando determinante, nos define como meros consumidores, desumanizados por conseguinte.

Insisto: a economia é que deveria ser encarada como um dos aspectos da cultura. O festival transforma a cultura em um mero elemento submetido aos ditames do mercado. Quando isso acontece, o que era cultura perde toda a carga de representações de modos de viver dos homens e se transforma, esvaziada de sua dimensão vital, em simples evento ou entretenimento, como queiram.

O Comida di Buteco é isso: um evento, desprovido de qualquer outro valor que não seja o de movimentar a economia da cidade, divulgar os patrocinadores, difundir a imagem dos participantes e aumentar o faturamento dos restaurantes envolvidos - objetivos legítimos, diga-se de passagem, ainda que não me comovam e que eu lhes faça sérias restrições.

O problema - gravíssimo! - é que a cultura, quando transformada e empobrecida em mero evento, morre. O festival, sob o pretexto de valorizar o botequim, joga contra exatamente o que diz querer valorizar.

Quando digo que a cidade tem alma, uso evidentemente uma metáfora para demonstrar que a cidade tem cultura. O botequim é, pois, um dos elementos constitutivos da cultura carioca. Certa feita escrevi o seguinte sobre o tema:

O buteco é a casa do mal gosto, do disforme, do arroto, da barriga indecente, da grosseria, do afeto, da gentileza, da proximidade, do debate, da exposição das fraquezas, da dor de corno, da festa do novo amor, da comemoração do gol, do exercício, enfim, de uma forma de cidadania muito peculiar. É a República de fato dos homens comuns...

É o nosso jeito, a nossa maneira, de recriar o mundo, inventar a vida, beber o passado, digerir o presente e projetar futuros. Nos definimos, dessa forma, como membros do nosso grupo e criadores de cultura - humanizados, portanto.

O Comida di Buteco cumpre muito bem o objetivo de agitar a cidade, movimentar a economia, colocar as pessoas na rua e o escambau. Não consigo, porém, deixar de ouvir uma voz, vinda sabem os deuses de onde [será o rugir do rótulo da maionese patrocinadora da coisa ?] , que parece inverter as lições do velho vagabundo:

- Não sois homens! Consumidores é que sois!

Tolo é quem pensa que o homem é desprovido da humanidade que lhe define quando morre. Mesmo morto, defuntinho da silva, o homem segue vivo na memória da sua gente, como dinamizador, pela lembrança, da tradição.

O homem só é desprovido de sua radical humanidade - morto, sem vitalidade -quando deixa de criar cultura e vira um reles espectador de uma vida que já não lhe é mais pertencimento."

Diante disso, resta-me dizer: fujam dos bares que participarão do festival, evitem esbarrar com os histéricos e com as histéricas no interior dos bares, onde eles terão chegado em vans alugadas para fazer o roteiro proposto pelos organizadores, não sejam idiotas a ponto de ficarem por aí conjugando o verbo proposto pelo festival - "Eu boteco, tu botecas, nós Comida di Buteco" -, não permitam que esse evento conspurque sua cidade e seu botequim preferido. Eu, ao menos, tenho imenso orgulho de dizer (e sou grato por isso) que os meus butecos de fé não participam dessa roleta-russa que visa, precipuamente, o lucro de quem, em pele de cordeiro, faz o papel do lobo devastador do sistema capitalista.

Até.

8 comentários:

Rafael Maia disse...

Boa noite, suas críticas são bastante severas, porém devo concordar com algumas observações que faz.

A análise política eu pulo, pois o festival é uma festa e ponto. Eu prefiro analisar politicamente outras questões. Aliás, acredito que talvez tenhamos alguns pontos de vista em comum, sou também bastante crítico ao capitalismo, ao meu modo.

Mas uma das coisas que eu tenho que concordar é que os bares que frequentamos fica um inferno. Quer um exemplo: Boteco Colarinho hoje teve na porta no horário de almoço.

Agora mesmo, fui beber no Benditho Bar, meu bar de coração, onde encontro cervejas de que gosto, e a fila dobrava a esquina. E olha que eu sou cliente desses de cumprimentar todos os garçons pelo nome, sentar ao balcão e tomar meu chope sossegado.

Se tiver alguma dica de boteco legal na Tijuca, eu to aceitando. Só não posso boicotar o Benditho. Eu gosto muito de cervejas artesanais: sou contra Brahma, Antartica, etc, etc, etc, pois elas são também grandes corporações capitalistas.

grande abraço

Unknown disse...

Pois é, estive num dos participantes, Pontapé Beach, na praia da Ribeira (Ilha do Governador). Numa conta de 100 pratas, negaram a saideira. Achei mesquinharia, não é assim que fideliza o cliente.

Verdelone disse...

Olá Sr. Eduardo,
Cheguei no seu Blog através de um comentário no nosso Blog do JB...
Nunca participamos do Comida, e esse ano resolvemos viajar para BH para participar do Troço...
Mas confesso que me assustei ao ler aqui seus comentários...além do mais fiquei preocupado com tudo que cerca o festival...
A viagem está marcada, então nós vamos para poder discutir e comentar aqui nesse espaço os nossos comentários a respeito do Troço.
Abraços
Verdelone
CIA DOS BOTECOS - www.ciadosbotecos.blogspot.com

Graziela Garcia disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Graziela Garcia disse...

Olá, Eduardo,
Vc me mencionou no twitter com o link para seu blog. Eu já conhecia o seu blog por causa das críticas em relação ao Comida di Buteco, e, confesso, que me divirto com seus posts. Suas críticas são bem severas mesmo..rs
Por esse motivo, gostaria de deixar aqui meu comentário sobre esse post. Eu acredito que todo evento "cultural" tem como objetivo o lucro. Ora, vivemos na época do capitalismo e tudo gira em torno disso. O pretexto pode até ser divulgar a cultura, mas o fim é sempre o mesmo: lucro para os organizadores.
O carnaval de Salvador, por exemplo, é um mega evento. Vc acha que ele quer apenas divulgar a cultura baiana? De forma alguma. Os preços são exorbitantes. Passar quatro dias na cidade, em pleno carnaval, não fica por menos de R$ 5 mil (isso, economizando). E as pessoas vão, gastam e se divertem.
Com o Comida di Buteco é a mesma coisa. As pessoas escolhem ir aos bares participantes. Ninguém as obriga. E quem ganha com isso? Os organizadores, os bares e os frequentadores (pois queremos aproveitar o evento).
Aqui em BH, por exemplo, as pessoas gostam muito do Festival. Conheço gente que não gosta, mas é a minoria (do meu ciclo de convivência).
O festival tomou uma dimensão muito maior ao longo dos 11 anos, o que é natural e mostra a "força" e "sucesso" entre os participantes.
Bem..fica aí o meu comentário.
Mas deixo claro que me divirto com seus posts "revoltados" sobre o Comida di Buteco..
Um abraço,

Thiago Valinho disse...

Caro,

vim até seu blog pois me emncionou no twitter. Achei correto deixar minha opinião já que você atenciosamente foi até a mim para demonstrar a sua opinião.

Sobre os butecos ficarem um inferno é o memso problema de compra coletiva: a culpa não é do promotor do evento, é do estabelecimento que não se prepara para a ação de venda, logo se não gosta... vá a outro buteco. Aqui em BH é a maior concentração por metro quadrado.

Sobre ganhar lucro: utopia achar que alguém vai organizar um evento deste tamanho, buscar parcerias e patrocinadores e não lucrar com o evento. Se for tirar todos os eventos culturais que lucram, elimine: tetros, cinemas, carnaval de salvador-rio, parintins, futebol, samba de gafiera e qualquer outra demonstração de proporções maiores de cultura (mesmo que não compartilhe do mesmo gosto).

Sobre a questão de humanidade: ser humano vivendo em sociedade é gozar de seus direitos e deveres. Um deles e o livre arbítrio e a liberdade para se socializar. Como dito pela amiga acima as pessoas vão porque veem no evento uma possibilidade de reunir colegas no buteco para beber cerveja e provar uma receita inédita preparada para este encontro! Outro direito que você pode fazer é exercer o de ir e vir e ir para um buteco muito bom mas não participante que deve estar mais vazio.

Achei que você foi severo demais em suas críticas. Mas fica a dica, se quiser protestar é simples. Não participe e não ajude a somar números para o evento. Comentar só gera mais repercussão. O Brasileiro é curioso por natureza.

Grande abraço,

claudiogonz disse...

Rapaz, este Simas é um chato de galocha. Ele levou a sério a expressão "filosofia de botequim". Eu é que não queria sentar na mesa de um boteco com ele.
Aliás, antes de discutirmos tanta coisa sobre o Comida di Buteco, seria legal discutir o que é mesmo um boteco de verdade. Ando vendo muito barzinho chique por aí dizendo-se boteco. Se tiver cardápio bonitinho, site na internet, logotipo... eu já coloco na lista dos ex-botecos. Boteco de verdade mesmo, pra mim, são aqueles pés-sujos do centrão e da periferia, onde, desconfio, nem o Edu, nem o Simas, nem eu costumamos frequentar.

Neto.Galo disse...

Vejo que vc não é aqui de BH, cidade DOS BOTECOS e onde surgiu esse festival depois exportado.
Belo Horizonte tem suas peculiaridades regionais, não temos mar então vamos pro bar.
BH é a cidade no mundo com mais bares por habitantes(segundo dizem) e esse festival veio valorizar nossos botecos de cada dia e sempre foi um sucesso.
Não sei como o tratam fora do estado, mas aqui já faz parte do nosso calendário oficial.
Pelo sua ótica façamos assim: Acabem com o festival e todo seu lado "pseudo-cult" e qualquer iniciativa parecida valorizar a regionalidade cotidiana que dê sucesso.
Larga mão de ser chato.